“É na resistência que se cria o novo”, afirma Olivio Dutra

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Ativistas sociais de vários países da América Latina avaliaram a realidade política e econômica de cada nação, durante o seminário sobre Conjuntura Latino-Americana, realizado na tarde desta quarta-feira (18) no auditório Araújo Viana, no Parque da Redenção, em Porto Alegre. Um dos painelistas foi o ex-governador gaúcho Olívio Dutra (PT), que afirmou que “é na resistência que se cria o novo”.

Um dos mediadores do debate foi o presidente da CUT-RS, Claudir Nespolo. Para ele, o evento foi importante para elucidar o atual momento da América Latina “que já foi palco de grandes transformações”. A atividade reuniu centenas de participantes e integrou o Fórum Social das Resistências, que vai até sábado (21).

Alternativas para superar a crise não são de curto prazo – Bastante aplaudido, Olívio salientou a importância das lutas sociais, as instituições partidárias e suas perspectivas para os próximos anos. “As alternativas para superar esta crise não são de curto prazo, nem eleitorais e muito menos eleitoreiras”.

Ele fez também uma leitura crítica dos governos do PT e seus aliados. Lembrou as conquistas dos governos Lula e Dilma, mas disse que “fomos ao governo e aceitamos o jogo político”.

“Tiramos milhares da pobreza, aumentamos o acesso à escola e ao ensino superior e isso não é de se desprezar. Porém, são políticas públicas, programas de governo. Não fomos capazes de fazer a reforma agrária ou urbana, por exemplo. A estrutura do Estado permaneceu intacta”, desabafou.

Olívio enfatizou ainda que “nós não podemos deixar a corrupção, por dentro, privatizar o Estado”. Sobre as eleições de 2018, disse que “a ideia de que Lula vai nos salvar é uma visão muito reducionista” Ele encerrou afirmando que “acredita muito nos movimentos sociais”.

Crise na Venezuela – O professor venezuelano Edgardo Lander pontuou o marco que foi os governos de Hugo Chávez com maior participação popular e sem a subordinação à política estadunidense. “Apesar de todo o precedente, hoje a Venezuela se encontra numa profunda crise política, econômica e principalmente ética”, destacou.

Ele relatou que grande parte da população sofre com a escassez de diversos produtos, que a capacidade produtiva é precária e que o governo de Nicolas Maduro tem baixo apoio popular. “É, inclusive um governo autoritário que não se abre para novas políticas”, criticou ao comentar o aumento da criminalidade e as mais diversas oposições que o governo enfrenta. Suas críticas, no entanto, foram alvo de contestações de venezuelanos no plenário.

Lander salientou que a morte de Chávez com a sua capacidade de dar direção é sentida pela população. “Isso, somado à queda do preço do petróleo e a agressividade política estadunidense e de conservadores europeus, fez com que o processo bolivariano entrasse nesta severa crise”, avaliou o venezuelano.

Não houve democratização de fato – “Nos governos progressistas da América Latina não houve uma democratização, de fato”, criticou a peruana da Tierra e Libertad, Marisa Clave. Ela relatou a situação do país após as últimas eleições.

Para Marisa, o governo do ditador Alberto Fujimori foi um dos mais autoritários e duros, adotando políticas neoliberais que prejudicaram o país. “Ainda assim, a filha dele quase ganhou as últimas eleições presidenciais e isso nos traz inúmeras reflexões”, ponderou.

Ela acredita que um evento como este tem que pensar em como evitar situações de eleições compostas majoritariamente com projetos neoliberais.

“Para realizar a mudança precisamos reivindicar justiça social, recuperando a noção de cidadania e isso tem que incluir justiça ambiental e espacial. Temos que reivindicar o direito à cidade, que tem que ser pensada para quem nela vive. Precisamos compartilhar espaços”, enumerou.

Marisa afirmou ainda que a esquerda no continente tem que combater a corrupção. “Não podemos denunciar a direita se legitimarmos a corrupção. É urgente, também, democratizar as nossas próprias organizações, pois democracia se constrói na coletividade”, finalizou.

Índios, negros e quilombolas massacrados – A questão indígena e dos quilombolas no Brasil foram abordadas pelo representante da CIMI, Roberto Liebgott, e pelo advogado e representante de territórios quilombolas, Onir Araújo.

“A historia do Brasil é de genocídio de centenas de povos. E esse genocídio ainda permanece”, afirmou Roberto. De acordo com ele, nos últimos 14 anos havia a esperança que a situação dos povos originários fosse mudar, o que não aconteceu. “A crítica é com dor, pois acreditávamos que outro mundo possível fosse paulatinamente implementado. mas os povos indígenas continuam nas margens das rodovias”, disse.

Já Onir ponderou que o país tem a terceira maior população carcerária do mundo e que 80% dos presos são negros. “O Brasil não está numa guerra civil e atingiu a marca de 1 milhão de jovens mortos, mas esses dados não entram em nenhuma análise de conjuntura”, contou. “Nós, índios e quilombolas, recebemos golpes há 516 anos”, finalizou o advogado.

Construir um projeto político coletivo – A chilena Ximena Montoya relatou que, após a ditadura militar, o Chile teve vários governos de centro esquerda, mas não populares. “Eles negociaram com empresários. A Constituição do Pinochet não foi extinta. Por exemplo, a água é propriedade privada e estamos vivendo uma crise hídrica”.

De uma região com a maior concentração de povos indígenas, ela falou da luta contra as empresas extrativistas. “É um desafio construir um projeto político coletivo. No Chile não estamos conseguido”, lamentou. Segundo Ximena, a construção da democracia tem que ser horizontal.

“Outro absurdo que temos lá é que no Chile toda a seguridade social foi privatizada no governo Pinochet. Hoje, temos milhares de idosos que estão dentro das camadas mais pobres da população”, alertou.

Políticas para gerar mudanças – “Tenho 50 anos de militância, já vi muita coisa”, iniciou a militante Lilian Celiberti, do Cotidiano Mujer do Uruguai. De acordo com ela, que foi sequestrada no Brasil durante a ditadura militar, a certeza da construção da democracia sempre deu forças para os militantes continuarem lutando.

Lilian criticou o aumento da violência, as guerras de narcotraficantes e a crise no sistema prisional. “A violência existe para toda a sociedade, mas principalmente para negros, mulheres e jovens”.

Diante deste cenário, segundo ela, há ainda o abismo entre a teoria e a prática. “Que mudanças precisamos fazer parar tornar possível conviver com todas as diferenças?”, questionou.

A feminista enfatizou que “política é para organizar, debater e gerar mudanças. Não queremos mais políticas compensatórias”.

Holocausto no México – A ativista mexicana Rosa contou que o país vive um holocausto com mais de 100 mil mortes. “Há povos inteiros desaparecendo”, sublinhou. Outro problema comum no México, segundo ela, é o tráfico de pessoas: “homens vão trabalhar escravizados na mineração e as mulheres e crianças são prostituídas.”

Sobre a vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses, Rosa declarou que o “muro já existe, não em termos físicos, mas políticos. Agora, só querem materializar”.

Lá, o gás e a eletricidade foram privatizados e há um amplo debate para ocorrer o mesmo com a água. “Além disso, também enfrentamos uma reforma educativa que vai prejudicar a todos: docentes e alunos”, frisou ao fazer referência ao projeto Escola sem Partido.

 

Fonte: CUT RS

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