Indígenas de 100 etnias discutem violência e retrocesso nas demarcações

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Desde o último sábado (21), representantes de aproximadamente 100 etnias indígenas começaram a chegar à capital do país para montar a 15ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), que foi aberta oficialmente hoje (23). O objetivo é reivindicar melhorias, unificar as lutas em defesa do chamado Brasil indígena e protestar contra propostas que tramitam no Congresso Nacional e que, se aprovadas da forma como se encontram, causarão sérios prejuízos para os processos de demarcação de terras e sua produção agrícola.

Neste ano, além de uma agenda que inclui desde palestras sobre as condições das mulheres a visitas ao Congresso e aos tribunais, eles querem também conseguir apoio para candidaturas de representantes dos seus povos nas próximas eleições.

“Faz muito tempo que não temos um representante legítimo dos indígenas no Congresso. Queremos mudar isso e lutar para conseguir ter pelo menos uns três deputados lá, a partir do próximo ano”, disse Paulinho Poró, da tribo dos Zoés, no Pará, apontando para o prédio da Câmara dos Deputados. O parlamentar indígena mais conhecido foi o cacique Juruna, já falecido, que ocupou vaga na Câmara na década de 1980.

Nas eleições de 2014, 84 indígenas concorreram a cargos públicos, incluindo vagas para a Câmara e o Senado Federal, mas não foram eleitos. Em 2010, de acordo com o IBGE, havia 817.963 habitantes de 305 diferentes etnias.

O acampamento foi iniciado com um problema que levou os grupos que chegaram inicialmente à cidade a pedirem ajuda ao próprio governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg (PSB), num encontro informal, na última sexta-feira. Estava tudo acertado para que, a exemplo do ano passado, as tendas e barracas fossem montadas na Praça dos Ipês, ao lado do Teatro Nacional, no início da Esplanada dos Ministérios. Mas, a exemplo do que tem acontecido em relação a vários movimentos sociais, a ocupação temporária da área foi negada pelo Executivo federal, dentro das ações restritivas impostas às manifestações populares nos últimos tempos.

Por causa disso, Rollemberg ofereceu ao grupo uma área em frente ao Memorial dos Povos Indígenas, gramado localizado no entorno de um museu em homenagem a eles, próximo do Palácio do Buriti (sede administrativa do governo). Vindos em vários ônibus, eles estão acampados em barracas de camping, tendas montadas de forma improvisada por cipós e toras de madeira e até em redes armadas sob árvores.

Além disso, instalaram várias mesinhas onde estão vendendo bijuterias e outros produtos de artesanato. “É para ajudar com o dinheiro da viagem”, contou Ana Amara Truká, da tribo dos Trukás, na Bahia. Conforme informações dos que estão no acampamento, já se encontram na capital grupos do Pará, Amazonas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,Tocantins, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, São Paulo, Rio de Janeiro e Roraima.

Durante o final de semana, dentro das comemorações do aniversário de Brasília, representantes destas tribos chamaram a atenção em diversos pontos da cidade com a realização de rituais, danças de suas aldeias e também torneios de lutas que realizaram com integrantes dos seus grupos. Em sua maior parte, usando tintas no corpo e no rosto, artefatos típicos e vestindo apetrechos que remontam aos seus descendentes.

Demarcações de terras

A expectativa é reunir aproximadamente 3 mil indígenas (os organizadores acham que perto de 800 já estão na cidade) até o dia 28 e a agenda de trabalho inclui conversas com parlamentares e representantes do governo sobre o parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU). O documento estabelece que as demarcações de terras indígenas só podem ser feitas nas áreas que estavam ocupadas por esses povos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição.

“É um absurdo. Muitos desses povos foram expulsos de suas áreas em Goiás, no Tocantins, no Mato Grosso, por grandes fazendeiros de terras, mas todos sabem que são locais que sempre foram áreas indígenas”, disse o assistente social Flávio Assis, que atua há anos junto ao movimento indigenista. A seu ver, o parecer consiste no “maior ataque aos direitos indígenas já visto até hoje, no país”.

O início da mobilização se deu por meio de uma audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, que discutiu a autonomia dos povos e chamou a atenção, segundo técnicos, representantes do Ministério Público e senadores, para o que foi chamado de “falência total da política indigenista”.

“A paralisação das demarcações só comprova isso. E faz com que os territórios indígenas venham a sofrer com os impactos dos empreendimentos e agronegócio”, reclamou, durante a audiência, outra coordenadora do acampamento, Nara Baré, que integra a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Faz parte da lista de reivindicações e temas das conversas, também, o aumento da violência nas terras indígenas, bem como aumento do desmatamento e do garimpo, conforme informou um dos coordenadores do movimento, Dinamã Afer Jurum Tuxá.

Eles aproveitaram para citar, ainda, problemas específicos de cada região, como a luta contra o avanço das plantações de soja nos rios do Baixo Tapajós, na região Norte e denúncias de perseguições contra integrantes de tribos por governos municipais, nos estados de Pernambuco e Bahia, no Nordeste.

Aumento da violência

“A demarcação de terras e a garantia de acesso aos recursos naturais são a solução para o fortalecimento da autonomia dos povos indígenas”, destacou o senador Paulo Paim (PT-RS), que cobrou do governo a resolução dos conflitos indígenas junto aos pequenos produtores agrícolas de forma pacífica.

Segundo a defensora pública Daniele Osório, o Brasil está em nono lugar em número de homicídios contra povos indígenas. Já o secretário adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilberto dos Santos, outro a falar na audiência, lembrou que as inúmeras dificuldades observadas nas tribos, apesar de destacadas em alguns estados, são semelhantes no país como um todo. “A vulnerabilidade sociocultural indígena não acontece apenas no Mato Grosso do Sul ou outro lugar específico, mas de um modo geral”, acrescentou.

O representante do Cimi destacou que existem, hoje, 533 terras demandadas pelos povos indígenas. Desse total, apenas 112 são alvo de processos que tramitam há anos no Judiciário.

Em 2012, uma recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA) pediu à Corregedoria Nacional de Justiça mais celeridade nas demandas judiciais sobre casos de demarcação. Como na época o órgão prometeu dar atendimento ao pedido, fiscalizando e cobrando o andamento destes processos, líderes das tribos que estão em Brasília e representantes do movimento pretendem se reunir, também, com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e com a titular da Advocacia-geral da União, Grace Mendonça, até sexta-feira(25) para falar sobre o tema.

“Estamos aqui para disseminar nossa diversidade e riqueza sociocultural como forma de pressionar o governo para a manutenção e efetivação dos nossos direitos. Somos cidadãos brasileiros e merecemos respeito”, afirmou Francinara Martins, da etnia Baré.

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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