‘Mídia é responsável por colocar opinião pública ao lado dos juízes’

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O papel central da mídia no processo político brasileiro é muito anterior à data simbólica de 17 de abril de 2016, quando o processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff foi autorizado pela Câmara dos Deputados. “Essa centralidade hoje é muito evidente. Mas não só foi antecipada como uma estratégia de parceria com o Judiciário, pelo próprio juiz (Sérgio Moro) que comanda a Lava Jato, como ela hoje tem sido demonstrada e está registrada factualmente por instituições de pesquisa”, diz o professor emérito da Universidade de Brasília Venício Artur de Lima, pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) e ex-membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

Para ele, porém, existe “uma disputa de narrativa” que relativiza esse poder midiático. Por exemplo, no caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo pesquisas realizadas por institutos ligados aos grupos midiáticos tradicionais apontam que ele continua liderando as intenções de voto com folga. Segundo o Datafolha, esse quadro se mantém mesmo com o ex-presidente cumprindo mandado de prisão.

Já de acordo com o Vox Populi, para 41% dos brasileiros Lula foi condenado sem provas, enquanto 44% entendem que sua prisão foi injusta e 58% acham que ele tem o direito de ser candidato à Presidência da República.

“Não se pode confundir opinião pública, que é a manifestação sobretudo de camadas de classe média, com eleitorado. São coisas diferentes. Junto ao eleitorado, nas intenções de voto, apesar de todo o massacre dirigido contra o ex-presidente e seu partido, ele continua liderando”, observa Venício.

Ele lembra artigo assinado pelo próprio juiz Sérgio Moro, em 2004, portanto antes mesmo de desencadeado o processo do “mensalão”, em que a parceria entre meios de comunicação e Judiciário é claramente colocada como estratégia. “No artigo, ele próprio indica e enfatiza o papel decisivo da mídia na parceria com as ações do Judiciário. Ela é responsável por colocar a opinião pública ao lado dos juízes. Essa afirmação encontra respaldo na realidade dos fatos que aconteciam antes do dia em que a Câmara votou pelo impeachment.”

O artigo de Moro era intitulado “Considerações sobre a Operação Mani Pulite” (“Mãos Limpas”), desencadeada em 1992 por procuradores italianos. “Apesar de não existir nenhuma sugestão de que algum dos procuradores mais envolvidos com a investigação teria deliberadamente alimentado a imprensa com informações, os vazamentos serviram a um propósito útil. O constante fluxo de revelações manteve o interesse do público elevado e os líderes partidários na defensiva”, escreveu Moro. “A publicidade conferida às investigações (…) garantiu o apoio da opinião pública às ações judiciais, impedindo que as figuras públicas investigadas obstruíssem o trabalho dos magistrados.”

Venício Lima lembra ainda que o papel da mídia no processo do impeachment é demonstrado por instituições de pesquisa, como o Manchetômetro. Levantamento feito pelo grupo liderado pelo cientista político João Feres Júnior mostrou que Dilma Rousseff foi alvo de uma cobertura midiática “intensamente negativa” entre dia 1º de janeiro de 2016 a 9 de agosto de 2017, nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo e no Jornal Nacional, da Rede Globo.

“A posição da grande mídia tem sido paralela às ações do Judiciário. Seletiva, muitas vezes partidária e mobilizando uma parcela significativa da opinião pública que tem dado apoio ao Judiciário, no caso da Lava Jato”, diz Venício.

Mas esse papel desempenhado pela chamada grande imprensa no processo de impeachment, assim como na Lava Jato e outros, não se dá por acaso nem é conjuntural. “A mídia é um poder que trabalha junto com os outros interesses compartilhados por ela. Ela é protagonista do processo político. Isso não é um fenômeno só brasileiro, mas do mundo contemporâneo.”

Porém, no Brasil, esse poder midiático é exacerbado pelas condições históricas que permearam a construção desses grupos. “Aqui não existe controle da propriedade cruzada e os interesses sempre foram muito atuantes no Legislativo. Portanto, há toda uma legislação que historicamente protege e ampara esses grupos e cria o que tenho chamado de políticas de silenciamento”, diz Venício.

“São políticas que favorecem esses grupos e portanto excluem vozes do espaço público. E favorecem também uma questão histórica no país, que Paulo Freire chamava de cultura do silêncio. Esse é o quadro dentro do qual tudo isso vem acontecendo há décadas. Nossa tradição infelizmente é essa.”

A má notícia é que o problema do que chama de centralidade da mídia nos processos políticos brasileiros deve continuar, na opinião do pesquisador: “A curto prazo não vejo perspectiva de mudança”.

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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