Operação do Itaú no Paraguai é protótipo para América Latina

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No caminho do aeroporto de Assunção, no Paraguai, até o centro da cidade, alguém mais distraído pode pensar por um segundo que está no Brasil. Em meio às tantas árvores e prédios baixos da capital paraguaia, a familiar cor laranja de agências e caixas eletrônicos do banco Itaú pode dar a sensação de que ainda se está em uma cidade brasileira.

Um banco laranja é uma novidade no Paraguai. Não tem nem dois anos que o Itaú decidiu mostrar sua cara no país, deixando para trás não só a marca Interbanco, herdada do Unibanco, como também as cores da bandeira paraguaia que a instituição usava na logomarca, o vermelho e o azul. Mas ali está a operação que o banco considera o modelo da plataforma de varejo que pretende construir na América Latina nos próximos anos.

O processo de impeachment sofrido pelo presidente Fernando Lugo na semana passada não altera essa determinação. “O Itaú esta no país há 35 anos, e já atravessou problemas bem maiores que este. Logo, isso não muda nada em nossa postura com relação aos investimentos no país”, diz Ricardo Villela Marino, vice-presidente do Itaú Unibanco e responsável pelo projeto de internacionalização.

Com uma rede de apenas 30 agências, o Itaú Paraguai tem a maior clientela entre os bancos do país: 300 mil, de um pequeno universo de 700 mil pessoas bancarizadas – apenas 10% da população. Também é líder em ativos no país, com US$ 1,96 bilhão. Mais que a liderança em alguns quesitos relevantes, o Itaú tem no Paraguai a operação mais diversificada da região. Financia consumidores, pequenos agricultores, grandes grupos paraguaios e subsidiárias de empresas brasileiras.

É o protótipo do que o Itaú quer replicar em outros países. Depois de concluída no ano passado a fusão com o Unibanco, o Itaú agora começa a dar fôlego ao projeto de internacionalização pela América Latina, de criação de um banco regional. No Chile, por exemplo, o banco ainda está muito focado nos clientes de alta renda. No Uruguai, a principal atividade é o crédito para empresas.

“A América Latina é uma região emergente, com grande oportunidade de crescimento. Só perde para a Ásia, onde culturalmente é mais difícil de se entrar”, diz Ricardo Marino. O banco também está de olho na internacionalização das próprias empresas latino-americanas pela região. Pelo caminho que escolheu trilhar, o Itaú vai encontrar bancos internacionais com importante presença na América Latina, como os espanhóis BBVA e Santander. Entre os brasileiros, já tem cruzado com o Banco do Brasil na disputa por algumas instituições, mas ainda mantém uma participação mais relevante nos países vizinhos quando o tema é varejo bancário.

Em termos financeiros, o Itaú América Latina ainda é algo que passa quase despercebido no balanço do banco. Dos R$ 14,6 bilhões que o Itaú Unibanco lucrou no ano passado, R$ 383 milhões vieram das operações fora do Brasil na América Latina. Da carteira de crédito de R$ 397 bilhões, apenas R$ 20,6 bilhões estão em Chile, Argentina, Uruguai e Paraguai. Tudo isso, porém, vem crescendo a passos rápidos. Nos últimos cinco anos, o lucro obtido nesses países foi multiplicado por dez, partindo, claro, de uma base pequena. Em termos de crédito, em 2011, a carteira do Itaú na América Latina, fora do Brasil, avançou 43,6%, bem acima dos 19,1% da média do conglomerado.

“É uma presença modesta, mas temos planos ambiciosos”, diz Marino, que não dá maiores pistas da estratégia do banco. Nos países onde estiver, Marino diz que o objetivo do Itaú é alcançar o primeiro lugar em ativos, lucratividade e eficiência. “Sem escala, o banco não vai ser totalmente eficiente.”

O plano de extrapolar as fronteiras brasileiras não é exatamente novo dentro do Itaú, mas é um projeto que ficou adormecido, principalmente a partir da fusão com o Unibanco, em 2008, que consumiu a atenção do corpo de executivos. O Itaú começou a colocar os pés para fora do país na década de 90, quando decidiu abrir as portas na Argentina. Depois, em 1998, comprou o banco Buen Ayre no país. Em 2007, ao ficar com as operações do BankBoston na América Latina, ganhou as unidades do Chile e do Uruguai. Mais recentemente, veio o Paraguai, herdado do Unibanco, que ficou com a operação do Interbanco quando adquiriu o Nacional, em 1995. No México, começou recentemente uma operação piloto de cartão de crédito. Com isso, o Itaú cravou sua presença na região. Agora, a questão é fazê-la crescer.

“Desde 2008, pensava-se que o banco aproveitaria a crise lá fora para comprar ativos. Mas o Itaú acabou optando por um projeto de internacionalização mais conservador. Talvez sofresse, hoje, se tivesse se aventurado indo para mais longe”, diz Jorge Saab, gestor de fundos da Rio Bravo, que tem participação no Itaú.

Mesmo tendo optado por ficar só na vizinhança, o Itaú já enfrentou problemas nos anos 90 com a operação argentina em meio a incertezas políticas, trocas de moedas e confiscos. Em 2002, o banco sofreu um novo tombo com a desvalorização dos títulos públicos do país, arranhando o resultado no Brasil. Na época, o banco optou por fechar mais de uma dezena de agências na Argentina. Apesar de marcar a ida do Itaú para fora do Brasil, a operação argentina não está nem entre os dez maiores bancos privados do país, segundo dados do Banco Central da Argentina. O Banco Patagonia, comprado pelo Banco do Brasil, está na quinta posição.

Para construir uma rede de varejo pela América Latina, o Itaú não descarta ir às compras. No ano passado, por exemplo, fechou a compra da operação de varejo do HSBC no Chile. Também analisou o Colpatria, quinto maior banco da Colômbia, que acabou sendo vendido para o Scotiabank. Neste ano, olhou o HSBC no Paraguai, que ficou com o GNB Sudameris.

O interesse do banco na construção de uma plataforma regional começou a ficar mais claro em meados do ano passado. Antes responsável pela integração dos funcionários na fusão do Itaú com o Unibanco, desde abril do ano passado Marino passou a dedicar 100% de seu tempo ao projeto de internacionalização do banco.

Debaixo do executivo ficam cerca de cem pessoas. Do bairro do Jabaquara, em São Paulo, essa equipe coordena as unidades do Itaú em toda a América Latina, cuidando da análise de crédito, do desenvolvimento de produtos regionais e das oportunidades de aquisição que surgem na região. Ou seja, a cabeça fica aqui.

Se no Brasil os bancos estrangeiros precisam da aprovação da matriz para liberar operações de crédito mais parrudas, no Itaú isso não é diferente nas transações que fecha fora de casa. Os executivos locais têm liberdade até um certo ponto para fazer os desembolsos. Além disso, precisam do aval da matriz.

“Perde-se um pouco de agilidade porque os bancos locais podem dar crédito na hora, mais rapidamente. Mas é assim que as coisas funcionam em um banco internacional”, diz Roberto Lamy, presidente do Itaú Paraguai. É o único brasileiro a presidir o Itaú fora do Brasil. Sem tanta prontidão, Lamy conta que perdeu no mês passado um empréstimo para um banco local. “Aqui todo mundo se conhece. Um empresário entrou na sala do presidente de um banco concorrente e na hora conseguiu o crédito. Eu não posso fazer isso.”

Por outro lado, as subsidiárias do Itaú não precisam replicar na América Latina o modelo exato do Brasil. No Paraguai, por exemplo, há cinco anos, o Itaú abriu a primeira agência bancária da região conhecida como El Chaco para financiar pequenos criadores de gado. É algo que no Brasil o banco não faz: crédito agrícola para pequenos produtores. E por que não usar países menores como laboratório para alguns projetos que depois vão ser exportados para o Brasil? O banco pelo celular do Paraguai, por exemplo, vem sendo estudado pelo Brasil.

No Paraguai, o Itaú demonstra ter bom trânsito entre as autoridades. Ao saber do interessa da reportagem por uma entrevista com representante do Banco Central paraguaio, Lamy intermediou a solicitação de entrevista, durante visita ao país, em meados de maio. Prontamente, o pedido foi atendido pelo próprio presidente da autoridade monetária, Jorge Corvalán.

Em meio à recente destituição de Fernando Lugo, Corvalán foi confirmado no cargo.

Fonte: Valor Econômico

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