Volta da energia não acaba com o drama do povo do Amapá. Prejuízos são irreparáveis

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O apagão que atingiu 13 dos 16 municípios do Amapá, inclusive Macapá, capital do estado, no último dia 3 deste mês, oficialmente terminou, segundo o governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL), na terça-feira (24), com a religação da energia. Mas o drama da população ainda está longe do fim. Muitos arcam com os prejuízos, alguns irreparáveis.

Casas incendiadas, perda de alimentos, utensílios eletrônicos, assaltos no meio da escuridão, crianças e adultos sem dormir por falta de ventilação sob um calor de mais de 30 graus, sem água nas torneiras e comunicação extremamente precária. Tudo isso em meio à pandemia do novo coronavírus (Covid -19).

Tantas mazelas assolaram os mais de 700 mil moradores do Amapá, e algumas podem ser consideradas mais trágicas, como a do carteiro Erik Sandro Del Castillho que teve a casa, no bairro Ipê, zona norte de Macapá, incendiada e perdida, por volta das cinco da tarde do dia 15 de novembro, quando estava fora junto com os três filhos que moram com ele.

Não sobrou praticamente nada: cama, TV, computadores, sofá, guarda-roupa foram perdidos. Sobraram apenas alguns utensílios de cozinha que um vizinho recolheu na hora do incêndio. Mas, a perda dos bens materiais é o que menos lamenta Erick. A perda das fotos de família, especialmente da mãe, que morava na casa e faleceu há poucos meses, é o que mais o entristece.

“Graças a Deus ninguém perdeu a vida, mas as fotos da minha mãe tem um valor sentimental que não será recuperado”, diz entristecido o carteiro.

Por enquanto Erick sobrevive da solidariedade do Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Correios e Telégrafo (SINTECT-AP) e de moradores da cidade que ao assistirem pela TV o seu drama contribuíram com dinheiro em sua conta. Juntando salários e benefícios, o carteiro ganha em torno de R$ 3 mil. Até agora foram arrecadados R$ 2 mil. As contribuições podem ser feitas na Caixa Econômica Federal (CEF), agência 4707- conta: 20638-8, em nome de Erick (CPF: 633.617.952-49).

Erick diz que apesar da tragédia, a solidariedade tem dado algum conforto à sua vida. Separado, ele além das despesas com os três filhos que moram com ele, paga pensão para outros dois filhos que moram com a mãe. As idades variam de 14 a 21 anos.

“Eu ainda não sei de quanto dinheiro vou precisar. Material de construção custa muito caro aqui. Um amigo dos Correios, da área de infraestrutura, vai fazer o levantamento dos custos para reerguer minha casa. Aí o sindicato vai fazer uma campanha pra me ajudar. Ainda não sei se será algum bingo ou rifas”, diz o carteiro que por enquanto está morando num apartamento cedido por outro companheiro de trabalho.

Uma possível indenização por parte do governo ainda está longe de chegar. Segundo Erick, somente com o laudo do Corpo de Bombeiros, que demora de 30 a 40 dias, indicando as causas do incêndio, é que ele poderá dar entrar numa ação na Justiça.

As eleições municipais no Amapá foram adiadas para o dia 6 de dezembro por causa do apagão.

Um vídeo que circula nas redes sociais mostra o que sobrou da casa do motorista por aplicativo Wellington M.S. Pereira e da agente comunitária, Sonia, após o incêndio provocado pelos picos de energia que ocorreram durante o apagão em Macapá.

Vizinhos e amigos relatam que Wellington perdeu além da sua moradia e utensílios domésticos, material da Igreja que frequenta, porque devido a um assalto no local, preferiu guardar em casa, microfones, notebooks, Data show e outros equipamentos. O Portal CUT não conseguiu contato com Wellington para obter mais informações.

Falhas de energia continuam

Apesar do governo ter anunciado o fim do apagão no Amapá há relatos de falta de energia em alguns municípios. Tartarugalzinho , a 230 km da capital, e Porto Grande, a 108 km, não tiveram a energia totalmente reestabelecida, diz a secretária de Comunicação da CUT/AP, Maria Neuziana Tavares Castro.

Segundo ela, moradores dessas cidades relataram falta de energia.

“Essas pessoas continuam com receio de perder tudo com os picos de energia. Aqui mesmo na capital, passei hoje [25] pela manhã nos bairros Jesus de Nazaré e Brasil Novo, distantes do centro, e vi muitos semáforos sem funcionar”, relata a dirigente.

Imprensa não divulga que empresa responsável é privada

Dentre tantas notícias sobre o Amapá, uma das principais não tem sido divulgada pela imprensa em geral: a responsabilidade pelo apagão provocado por um incêndio nos transformadores de uma subestação de distribuição de energia é de uma empresa privada.

A espanhola Isolux era dona da empresa Linhas de Macapá Transmissora de Energia (LMTE), que ganhou, em 2008, a concessão das linhas de transmissão do Pará para o Amapá por 30 anos.

Em 2016, a Isolux entrou em processo de recuperação judicial e no final do ano passado vendeu a concessionária LMTE à norte-americana, Gemini Energy. Por sua vez , a Gemini tem como acionistas dois fundos de investimento: Starboard, com 80%, e Perfin, com 20%. A participação da Starboard se dá pelo fundo Power Fip, e a da Perfin, pelo fundo Apollo 14 Fip.

“O que aconteceu no Amapá é consequência da privatização e do modelo do setor elétrico em vigência. Como a Agência Nacional de Energia Elétrica [Aneel] conseguiu aprovar que um fundo financeiro especulativo seja dono de um ativo de um setor estratégico para a população brasileira? questiona Nailor Gato, coordenador do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE) e presidente do Sindicato dos Urbanitários de Roraima (STIU–RO).

Apesar dos norte-americanos serem os responsáveis pelo apagão, quem praticamente resolveu o problema foram os técnicos da Eletronorte e da Eletrobras de outros estados da Região Norte e Nordeste. O sistema Eletrobras está na mira de privatização do governo Bolsonaro.

“Ressaltamos a importância da empresa pública para serviços essências à população. Quando se tem algum problema, o primeiro a atender é o Estado, que só responde porque tem empresas públicas no setor fazendo este papel. A nossa defesa é de uma empresa pública com serviços de qualidade, e com responsabilidade para atender a população”, defende Nailor Gato.

 

Fonte: CUT Nacional

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