“Trabalhadores foram tolhidos do debate’, diz economista do Dieese sobre tarifaço

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As entidades IndustriALL Brasil, CUT, Força Sindical e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apresentaram ao secretário de Desenvolvimento Industrial do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e secretário-executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), Uallace Moreira Lima, propostas para enfrentar a taxação de 50% sobre os produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos. O encontro aconteceu na segunda-feira passada (14).

Entre as principais propostas está a criação imediata de um Grupo de Trabalho Interministerial com a participação de representantes do governo federal, representações empresariais do setor industrial e representações de trabalhadores e trabalhadoras, por meio das centrais sindicais, da IndustriALL Brasil e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese)

Além da criação do GT para enfrentar a taxação imposta pelo governo Donald Trump, o documento também traz um posicionamento sobre a indústria de transformação como pilar fundamental na estratégia nacional de desenvolvimento sustentável até 2033.

Na edição do Conversa Bem Viver, programa do Brasil de Fato, vamos conversar com o economista Leandro Horie do Dieese sobre o chamado “Tarifaço”, a taxação de 50% sobre os produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, anunciada pelo presidente Donald Trump; e a proposta de reindustrialização para o Brasil.

Confira entrevista na íntegra

É necessário que trabalhadores e trabalhadoras estejam envolvidos nesse debate sobre imposição de taxação? Essa proposta do GT é importante, em que sentido?

Tem dois aspectos básicos que a gente não pode deixar de salientar. O primeiro, mais direto, é que este tipo de acontecimento, no caso a taxação do Trump, vai ter um impacto que ainda não conseguimos mensurar, até porque o Trump tem feito muitas idas e vindas, não sabemos o que de fato vai sobrar no primeiro de agosto. Mas os trabalhadores e trabalhadoras vão ser muito afetados, caso essa tarifação os atinja em cheio. Eles vão ser o elo que vai sentir na pele. Então é muito importante que eles estejam incluídos nesse debate.

E o segundo aspecto, uma coisa mais ampla, é que na verdade os trabalhadores e trabalhadoras têm propostas, uma visão de mundo. Eu diria que no Brasil nos últimos sete, oito anos houve uma redução desse diálogo social muito grande. Um diálogo onde toda a sociedade, inclusive os trabalhadores, se viam representados dentro de um debate mais amplo sobre as questões mais evidentes de política e economia. Eu acho que a retomada desse GT é uma forma de resgatar também essa tradição.

Tem alguma relação desses sete, oito anos que você cita de determinada perda do debate social com esse momento político que está envolvido na taxação de 50%?

Tem relação direta porque na verdade reflete uma visão de mundo. É isso que a gente tem que ter em mente. Temos um arcabouço institucional construído dentro de diversos aspectos, no comércio internacional, na economia, nas relações internacionais e ele tem origem no pós-guerra.

Mas em geral, toda essa estrutura gerou institucionalidades que tem diferentes braços: econômico, relações internacionais, política, trabalho, saúde, etc. Donald Trump é a versão mais poderosa da tentativa de destruição desse arranjo de relação política. E o Bolsonaro é a nossa versão nacional desse arranjo.

E isso envolve a destruição completa desses canais de institucionalidade na sociedade que existe. Então seria uma consequência natural, uma pessoa como ele quando ascende ao poder, a primeira coisa que faz é cortar esses canais institucionais de relação da sociedade com os governos. Isso faz parte de uma projeto mais amplo de destruição.

Discutimos muito que essa tarifação do Donald Trump é reforçar esse aspecto, é destruir todo o arcabouço de economia internacional que existe desde os acordos de comércio no pós-Segunda Guerra. “Eu vou tarifar porque eu posso”. Essa foi a justificativa. Eu posso.

Não que eu seja defensor árduo do livre comércio, mas as leis do comércio existem para tentar dar um ordenamento sobre uma estrutura complexa de relações econômicas entre os países e o presidente de um dos principais países simplesmente fala: “Eu vou fazer o que der na minha cabeça”. Ou seja, na verdade, faz parte de um arranjo mais amplo de destruição dessa institucionalidade que envolve economia, relações internacionais, relações políticas e relações institucionais entre a sociedade.

Não é coincidência, faz parte de um projeto de concentração total de poder. E isso significa cortar esses canais de relação com a sociedade. Então os trabalhadores foram tolhidos do debate dentro dessa lógica.

Sobre a defesa de uma reindustrialização brasileira como projeto de desenvolvimento nacional, quais são as possibilidades que um Brasil desindustrializado tem diante de uma ameaça de taxação desse grande ator internacional que é os Estados Unidos?

É possível um país viver sem indústria, sem diversificação econômica? É, mas são países pequenos, que não tem uma população muito grande. Então uma população menor é muito mais fácil.

Com um país do tamanho geográfico e populacional como o Brasil é impossível, não existe na história e na literatura qualquer pesquisa do campo econômico ou social que aponte que esses países se desenvolvem sem indústria. Agora, desenvolver que tipo de indústria? Uma indústria diversificada.

Isso é um erro que não podemos cometer de achar que se desenvolvermos uma indústria de alta tecnologia, a gente resolve nosso problema. Não, temos que desenvolver toda a indústria, desde o insumo mais básico ao insumo mais sofisticado, porque dessa forma diminuímos a dependência externa.

Exportamos muitos produtos para os Estados Unidos, de menor conteúdo tecnológico, como café, óleo e petróleo. Mas um petróleo pesado, que recompramos refinado porque nós não temos capacidade de refino.

Então extraímos petróleo pesado e exportamos ele por um valor menor. E depois importamos esse mesmo petróleo refinado por um custo maior, gerando déficit.

Um segundo exemplo: Temos exportações relevantes para os Estados Unidos em aeronaves e máquinas. Mas a produção de insumos, de matéria-prima, principalmente as de maior valor agregado, a gente importa. Não produzimos aqui. Então, na verdade, a gente monta a lata, monta os instrumentos de navegação sofisticados e motor. O projeto é nosso, que é uma vantagem, mas a gente não produz. Então se a gente depende muito desse tipo de importação, se temos problemas de balanço comercial, a gente não consegue fazer.

Quando você não tem uma indústria diversificada que tem todas as gamas de tecnologia, seja da mais baixa à mais alta você fica dependendo de outro país de alguma forma.

Se você depende de outro país, você necessariamente precisa ter uma corrida desesperada por conseguir dinheiro externo, ou seja, recursos para fazer essas importações. E isso é a base de uma dependência tecnológica. Nós temos uma dependência tecnológica em certos aspectos com os Estados Unidos também.

Nós temos essa dependência tecnológica porque a nossa indústria empobreceu nos últimos 40 anos. Por isso que qualquer plano que foque em um desenvolvimento econômico que seja sustentável, inclusive ambientalmente, em termos de trabalho decente, envolve reindustrializar o país. Não há outro caminho. Diversificar a economia em torno do setor industrial é a única solução para um país como o nosso. Como nós vamos fazer? Isso é uma coisa que nós temos certeza que não é fácil. Agora, nós temos que fazer. E sem a participação do trabalhador e da trabalhadora é impossível fazer isso.

Qual é a reflexão que você faz sobre as possibilidades que o Brasil tem frente a essa ameaça de taxação de 50%, algo inédito na história das relações entre os dois países. Você vê uma oportunidade, uma chance do Brasil ter uma reação mais soberana de reafirmação? Que saídas nós temos de maneira estruturada?

O primeiro aspecto especificamente sobre essa taxação do Trump é que foi um ato contra a soberania do país. Isso não tem discussão, as pessoas não podem ter dúvidas em relação a isso.

Por isso que eu falo que Trump é o símbolo maior e o Bolsonaro é o projeto nacional da destruição de qualquer resquício de institucionalidade internacional que existe. É a lei do mais forte, que ele acredita que seja.

O segundo aspecto que também não pode ser descartado nessa discussão é a resposta dos próprios movimentos internacionais a esse totalitarismo do Trump.

No caso brasileiro, a articulação que ele tem tentado fazer via relações bilaterais com a União Europeia, com outro comércio sul-sul, o sul global e principalmente com os BRICS é uma resposta também.

Terceiro lugar, que o Trump também tem que ser visto um pouco como um negociador do setor privado meio fanfarrão, vamos dizer assim. Então ele puxa e estica a corda. Ele ameaça, depois volta atrás.

Por isso que eu falo que é difícil calcular agora, antes de 1º de agosto, o que vai acontecer de impacto de fato. E em termos de oportunidade, temos de curto, médio e longo prazo. A questão é saber exatamente como a gente trabalha. Uma coisa certa é que vamos ter que procurar outros mercados.

E isso o governo tem agido muito agilmente em relação a isso, já se reuniu com empresários, já se reuniu com os setores que exportam mais, vamos procurar caminhos para escoar parte dessa produção.

A outra coisa que acho que vai ter uma certa resistência do setor empresarial, mas vai ter que acontecer também é que parte dessa exportação pode ser escoada para o mercado interno. E isso vai significar o quê? Redução de preço de alimentos e de insumos.

Isso é uma coisa que é muito importante as pessoas fiscalizarem, porque naturalmente isso aconteceria, mas eu já li algumas declarações do setor do agronegócio falando que se fizer isso, eles terão um colapso de preços. E por fim, de médio e longo prazo, é uma possibilidade de tentar entrar numa discussão mais pesada sobre a questão da dependência tecnológica mesmo.

Isso envolve basicamente começar a reestimular setores que temos uma dependência tecnológica muito grande. Diante da desordem que o próprio Trump está provocando, também não podemos ser inocentes com a questão das patentes.

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