O dia 1º de outubro, para além de uma data eventualmente celebrativa, nos coloca a possibilidade de refletirmos sobre os problemas cotidianos vivenciados por esta população, em especial quando situada nos extratos mais empobrecidos da população, bem como também nos oferece um momento especialmente importante para pensarmos políticas públicas que nos ajude a enfrentar tais problemas.
Com efeito, os desafios são enormes, em especial se olharmos para os dados estatísticos postos pelo último Censo Demográfico, realizado pelo IBGE, em 2022, o qual apontou que as pessoas com 60 anos ou mais atingiu 15,8% (32,1 milhões) do total de habitantes do país (de 203,08 milhões), sendo que em 2010 este percentual era de 10,8% (20,6 milhões), o que nos dá um aumento de 56%. Em paralelo a estes números, temos o contínuo aumento da expectativa de vida ao nascer, que em 2023 atingiu 76,4 anos, quando no ano de 1940 era de 45,5 anos (aumento de 30,9 anos), o que sem dúvida alguma, neste caso, é uma boa notícia, e que é fruto, certamente, de políticas públicas ativas, fruto de muita luta.
Para matizar um pouco mais nossa reflexão, cabe salientar, segundo ainda o Censo de 2.022, o crescimento do índice de envelhecimento da população brasileira. Esse índice representa o número de pessoas acima de 60 anos em relação ao número de crianças e adolescentes de 0 a 14 anos do país. Em 2010, o Brasil contava com 44,8 pessoas de 60+ para cada grupo de 100 crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. Já em 2022 esse índice saltou para 80,0 pessoas com 60+ para cada grupo de 100 crianças e adolescentes de 0 a 14 anos. O índice de envelhecimento nos mostra que a população idosa vem crescendo de forma acelerada, enquanto a população mais jovem de 0 a 14 anos tem diminuído de forma significativa. Esse resultado reafirma a ideia de que a transição demográfica brasileira já ocorreu no que tange ao envelhecimento de sua população. E que esses dados merecem estudos adicionais, analisando as possíveis razões desse crescimento, sob olhares mais específicos (demográfico, epidemiológico e social).
A grande pergunta que se faz, diante destes números, é: O Brasil está preparado para estas mudanças? A resposta, neste caso, pode ser sim, e não, ou seja, há ainda enorme distância entre direitos garantidos, e a realidade vivida pelos idosos.
No campo do “sim”, podemos dizer que o Brasil, além de possuir um dos mais abrangentes sistemas de seguridade social do mundo, este ainda carece de aperfeiçoamentos gerais, e específicos quando olhamos especialmente para a curva demográfica brasileira.
Ainda neste sentido, temos, por exemplo, o próprio Estatuto da Pessoa Idosa, instituído no Brasil pela Lei nº10.741, de 1 de outubro de 2.003, portanto no primeiro governo Lula, e que foi fruto de décadas de luta do segmento dos aposentados e das pessoas idosas e de suas várias organizações. Além disso, temos a Política Nacional do Idoso (PNI), os Conselhos do Idoso (Nacional, Estaduais e Municipais), com a constituição inclusive de Fundos do Idoso, nos mesmos três níveis de governo.
Em ambos os casos, trata-se de legislação ampla, com a garantia legal de um largo espectro de direitos, mas que, todavia, em muitos quesitos, ainda não se materializou plenamente.
Neste sentido, podemos destacar, de saída, uma das previsões do Estatuto da Pessoa Idosa, que define, de forma genérica, que toda a sociedade é responsável pela pessoa idosa, seja o Estado, a família, e a sociedade em geral. Mais do que isso, diz ainda que ninguém pode se omitir perante qualquer infração ou negligência à pessoa idosa no país. Portanto, a partir da promulgação deste Estatuto, o que era imoral, passou a ser ilegal.
Além disso, o Estatuto da Pessoa Idosa prevê ainda uma série de direitos, dos quais, destacamos três: o direito à saúde (acesso universal e gratuito pelo SUS, atendimento preferencial e medicamentos gratuitos de uso contínuo). O direito ao transporte (gratuidade nos transportes coletivos urbanos e interestaduais). E o direito à prioridade (atendimento preferencial em repartições públicas, serviços de saúde, instituições financeiras e espaços coletivos).
Portanto, contrastando a previsão legal e sua plena materialização, podemos perguntar: Estado, família e sociedade, realmente agem como responsáveis pela pessoa idosa? O que dizer sobre o atual nível das aposentadorias? O que dizer sobre a questão do acesso a serviços de saúde especializados para a pessoa idosa, de prevenção de doenças crônicas e acesso a medicamentos? O que dizer, sobre a retirada de receitas das políticas públicas de saúde, sobretudo do Sistema Único de Saúde – SUS, único capaz de atender aos mais empobrecidos, entre os quais está a Pessoa 60+?
Seguindo ainda nestes contrastes, o que dizer sobre as diversas formas de violência e negligências a que estão sujeitas as pessoas idosas, com o aumento de casos de violência física, psicológica, financeira e institucional contra idosos? O que dizer, quando no seio da família, em geral despreparada para enxergar o envelhecimento com responsabilidade e generosidade, desvaloriza, em múltiplos sentidos, o papel do idoso e da idosa? O que dizer, dos idosos que em muitos casos, dado o estado de pobreza da família, assumem o papel de arrimo financeiro deste grupo, mesmo a despeito de seus parcos vencimentos? O que dizer, dos idosos que são manipulados financeiramente inclusive por parentes, para a tomada de empréstimos em seus nomes? O que dizer de idosos, que com frequência são agredidos, moralmente ou fisicamente, nos domicílios ou mesmo em locais públicos? O que dizer do constrangimento, para o idoso ou de pessoas com deficiência, que é embarcar em alguns ônibus, por exemplo? O que dizer, daquela via pública projetada para automóveis, cujo semáforo reserva apenas alguns segundos para os pedestres, surpreendendo, muitas vezes, o idoso ou a pessoa com deficiência na metade da travessia?
Sim, sabemos que as cidades foram projetadas (e continuam sendo, em sua grande maioria), projetadas para fazer fluir, por suas artérias e veias, a seiva vital do processo de acumulação capitalista; se a rua, em muitos casos, já não é o lugar do encontro, da alegria, da vida, mesmo, o que diremos, então sobre o como esta acolhe o idoso!
Sim, sabemos também que no âmbito da família e da sociedade em geral, há muito o que se fazer ainda para mudarmos a realidade de discriminação, de descuidado, e de toda forma de violência que por ali também campeia.
Há muito também o que se fazer ainda, com relação ao mundo do trabalho, por exemplo.
É fato, que hoje, como há muito, a pessoa idosa, mesmo com a existência de um rendimento por ter alcançado o acesso à aposentaria ou à pensão após toda a sua contribuição social produtiva e reprodutiva, é empurrada, em diversas vezes, para o mercado de trabalho, pela necessidade, resultado de um duplo movimento perverso que caracteriza atualmente este público, tendo de um lado a redução de sua renda e de outro o aumento de seus custos (com os medicamentos, planos de saúde, etc.), sujeitando a pessoa idosa a situações extremamente precárias de trabalho, ocupando vagas de baixa remuneração, de alto esforço físico, propícios à discriminação.
Cabe destacar que o trabalho, enquanto manutenção da atividade física e mental, seja uma das formas pela qual se efetive o pertencimento social, é necessário que esta ocorra a partir de condições dignas e decentes, para todos, mas que no caso da pessoa idosa, requer ainda condições que sejam adequadas a estas. Eis aí um grande desafio, ou seja, construir, dialogadamente, com o estado e com os empregadores, estas condições. Eis uma boa pauta para o movimento sindical e as organizações de idosos e aposentados.
Há ainda que se lembrar, as relações, hoje majoritariamente perversas, que se estabelece entre as mudanças tecnológicas e automacionais e a população idosa. Em outros termos, as relações hoje completamente despersonalizadas entre o consumidor (no caso o idoso) e o ofertador de serviços, ronda os níveis da humilhação. É assim, por exemplo, nos serviços bancários, cada vez mais automatizado, que buscam reduzir seus quadros de pessoal, e limitam os canais de atendimento, seja através de totens e/ou aplicativos, expondo a população idosa a golpes; é assim também, nos serviços de saúde, com a marcação de exames e consultas ocorrendo da mesma forma; e de empresas diversas, em que a venda à distância (telemarketing, dentre eles), bem como reclamações ou cancelamentos (de telefonia, de eletricidade, etc.) que somente aceitam encaminhamento por sites, ou telefones, inclusive com a situação da existência de lojas/agências físicas que dispõem de um canal com fones de ouvido, etc., para que a pessoa se comunique com um alguém (será alguém?) do outro lado, para que a pessoa encaminhe sua demanda. Constrangimento, humilhação!
Os exemplos são inúmeros, no campo do que precisamos avançar quanto à política pública de proteção e cuidado com o idoso; mas uma coisa é certa: tudo o que temos hoje, é fruto da luta, da mobilização e da organização da classe trabalhadora e da sociedade em geral; para que avancemos, o caminho não é diferente.
No campo da Previdência Social, por exemplo, se os números que apresentamos logo no início deste texto são desafiadores, a CUT, através da Secretaria Nacional das Pessoas Aposentadas, Pensionistas e Idosas, já vem empreendendo estudos e reflexões sobre este tema, e vem buscando construir agendas no sentido de enfrentarmos estes desafios.
No campo do direito à cidade, onde está a questão da mobilidade, e de vários aparelhos sociais, e olhar específico sobre a pessoa idosa, neste caso, a CUT vem, igualmente, procurando encaminhar pautas junto ao Conselho Nacional das Cidades, onde a Central tem representação.
No campo das relações de trabalho, como não poderia deixar de ser, a CUT, através de seus sindicatos, federações e confederações, vem igualmente empreendendo ações que garantam condições de trabalho dignas e decentes para todos, mas também com um olhar específico para a população idosa.
Além destes campos de atuação, a CUT, através Secretaria Nacional das Pessoas Aposentadas, Pensionistas e Idosas vem também desenvolvendo um amplo trabalho de mobilização e organização com o público de aposentados, pensionistas e idosos, através da formação de um Coletivo Nacional, que debate e encaminha temas afeitos a esse público.
Na mesma linha, queremos chamar a atenção para a realização da 6ªCONDAPI (Conferência Nacional da Pessoa Idosa), que ocorrerá em Brasília, de 16 – 19 de dezembro, onde estes temas, e outros, serão discutidos, e que contará com a participação de pessoas idosas eleitas, que representarão a CUT nesta Conferência.
Por fim, ao nos congratularmos com este dia, estamos saudando todas aquelas e aqueles que lutaram e os que continuam lutando em torno desta pauta tão importante, e de outras, que significam avanços para a classe trabalhadora e para os idosos e idosas em específico, que continuem a luta, e que não percamos de vista a importância das próximas eleições e suas repercussões em nossas vidas, sejamos jovens, ou idosos.
Fonte: CUT Brasil – Texto Base – 6ª CONADIPI.