Tema da campanha 2025 dos “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher”, os ataques digitais contra elas reforçam a necessidade de regulação das plataformas no Brasil
Não bastassem todas as formas já existentes de violência contra as mulheres – físicas, psicológicas, sociais e econômicas – a violência digital contra meninas e mulheres tem crescido em velocidade explosiva no mundo todo transformando celulares, redes sociais e ferramentas tecnológicas em novos instrumentos de agressão, perseguição e silenciamento. Em 2025, o tema é foco da campanha global “UNA-se para Acabar com a Violência Digital contra Todas as Mulheres e Meninas”, da ONU durante os 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres.
A mobilização, no Brasil, tem apoio da CUT, de movimentos feministas, de entidades da sociedade civil e do poder público e busca chamar atenção para uma das formas de violência que mais avançam sobre o público feminino.
Os 21 dias
Em nível global, originalmente a campanha da ONU é denominada “16 Dias de Ativismo” ocorrem entre 25 de novembro e 10 de dezembro. Mas, no Brasil, as ações começam antes, em 20 de novembro, destacando as interseccionalidades entre machismo e racismo, já que as mulheres negras são maioria entre as vítimas de agressões e feminicídios. Ao longo da campanha, o recado é de que “se a vida hoje acontece também no digital, a proteção às mulheres precisa acompanhá-la”.
Esse cenário, de acordo com a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino, está diretamente ligado às persistentes desigualdades estruturais. “A raiz desse problema está na forma como a sociedade ainda enxerga as mulheres, como corpos objetificados, como pessoas que não são respeitadas em suas posições e que têm seu acesso dificultado aos espaços de poder”, ela diz.
“Se a covardia da violência acontece na vida real, no mundo virtual é ainda mais fácil para o agressor praticá-la”, Amanda Corcino
Terra de ninguém
O ambiente virtual, inicialmente visto como espaço de liberdade e participação, tornou-se terreno fértil para ataques. Os abusos são muitos vão do insulto à ameaça direta. Entre os principais tipos de violência digital contra a mulheres estão:
- Assédio sexual e moral
- Vazamento de imagens íntimas
- Deepfake pornográfico gerado por inteligência artificial
- Cyberbullying e discurso de ódio
- Perseguição e controle digital (cyberstalking)
- Doxxing (exposição de dados pessoais)
- Personificação e golpe emocional (catfishing)
- Sextorsão
- Monitoramento ou controle do acesso a dispositivos
Nota: Deepfake é uma técnica de inteligência artificial (IA) que permite criar conteúdo falso, mas altamente realista, como vídeos, imagens e áudios. O termo combina “deep learning” (aprendizagem profunda) e “fake” (falso). Essa tecnologia se tornou mais acessível com o avanço da IA e é utilizada tanto para fins inofensivos, como entretenimento, quanto para atividades maliciosas.
A utilização da inteligência artificial amplia o alcance do crime. De 90% a 95% dos deepfakes publicados no mundo são imagens pornográficas não consentidas, e 90% a 99% delas representam mulheres. O volume desses vídeos, apenas entre 2019 e 2023, cresceu 550%.
O impacto ultrapassa a rede. Esse tipo de violência impacta diretamente na vida das mulheres. “Essa violência não termina quando a tela se apaga. Ela atravessa a vida, a saúde mental e o trabalho dessas mulheres” afirma Amanda.
Quem está mais exposta
As estatísticas globais são alarmantes:
- De 16% a 58% das mulheres já sofreram violência digital
- 38% relatam assédio online
- Jornalistas: 73% relatam ataques virtuais
- Parlamentares: 1 em cada 3 recebe ameaças
Quando as discriminações se somam, o ataque se intensifica. “Quando a desigualdade de gênero se encontra com o racismo, com a LGBTfobia ou com a xenofobia, o ataque se intensifica e tenta submeter essas mulheres ao silêncio.” destaca Amanda.
Brasil: ódio organizado e números crescentes
Um estudo do Ministério das Mulheres com o NetLab/UFRJ identificou 76,3 mil vídeos misóginos no YouTube entre 2021 e 2024, somando mais de 4 bilhões de visualizações. No mesmo período:
- Feminicídios cresceram de 1.347 (2021) para 1.463 (2023)
- Casos de violência doméstica e familiar aumentaram quase 10% (2022–2023)
A Pesquisa Nacional sobre Violência contra a Mulher – DataSenado 2025 mostra que:
- 3,7 milhões de brasileiras sofreram violência doméstica no último ano
- 10% sofreram violência digital
- 2% sofreram chantagem com imagens íntimas (o dobro de 2023)
- 79% acreditam que a violência contra a mulher cresceu
- 70% consideram o Brasil “muito machista”
As agressões se estendem por longos períodos: 58% das vítimas sofrem há mais de um ano. Em 71% dos casos, há testemunhas — e em 70% delas, crianças.
Plataformas que lucram com o abuso
A situação se agrava quando as redes afrouxam a moderação. Em decisão recente, a Meta, dona do Facebook, WhatsApp, Instagram e Youtube, flexibilizou regras de monitoramento sob o argumento de defender “liberdade de expressão”, criando um ambiente mais permissivo para discursos misóginos e peças de desinformação.
Como consequência, mais violência e menos responsabilização.
Em nível global houve reação. Graças à pressão de movimentos feministas, houve avanços. Entre eles:
- Pacto Digital Global da ONU (2024) — novos padrões para segurança digital e IA
- Convenção de Cibercrime da ONU (2024) — primeiro instrumento vinculante sobre violência digital
- Resolução da ONU (2024) — exige responsabilização das plataformas
No Brasil, a luta contra a violência digital contra a mulher é reforçada por leis específicas e pela inclusão de condutas criminosas no Código Penal, além de políticas e campanhas de conscientização. Veja abaixo:
Lei nº 14.192/2021 (Violência Política): Sancionada em agosto de 2021, a lei tipifica e coíbe a violência política de gênero, que pode ocorrer em meios digitais para desqualificar a participação de mulheres na política.
Lei nº 14.188/2021 (Violência Psicológica e Stalking): Esta legislação incluiu no Código Penal os crimes de perseguição virtual (stalking) e violência psicológica, que podem ser agravados se cometidos contra mulheres. (Em 2025, foi sancionada uma lei que aumenta a pena para violência psicológica contra a mulher com uso de inteligência artificial –deepfake).
Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006): Embora a Lei Maria da Penha tenha sido criada antes do avanço da internet, projetos de lei buscam incluir a violência virtual no escopo da lei, reforçando a proteção da mulher também no ambiente digital.
Além disso, há campanhas de entes públicos visando combater esse tipo de violência. Entre elas, a própria campanha “21 Dias de Ativismo”, além de apoio a vítimas. O Conselho Nacional de Justiça disponibiliza informações sobre como denunciar a violência, incluindo a violência digital, e mantém programas de apoio a mulheres vítimas. A rede de proteção conta com as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs).
Mas para Amanda, ainda é preciso regular o ambiente digital. “A ausência de uma regulação adequada da internet cria uma porta aberta para o ódio e a violência. A medida mais urgente é fazer com que plataformas não permitam que esses tipos de conteúdo sejam postados e, para além disso, excluam usuários que eventualmente pratiquem essa violência”, ela diz.
Como se proteger e denunciar
Diante de ataques digitais, Amanda orienta que é “fundamental denunciar, procurar ajuda, registrar tudo o que aconteceu”. Os principais canais no Brasil são:
- Ligue 180 — Central de Atendimento à Mulher
- Delegacias da Mulher e delegacias de crimes cibernéticos
- Ferramentas de bloqueio e denúncia nas plataformas
É preciso:
- Guardar provas — prints, links, datas e horários
- Apoio psicológico e redes de acolhimento
A Safernet Brasil, a ONU Mulheres e iniciativas como Take It Down auxiliam na remoção de conteúdos íntimos.
A defesa da vida digital também passa por:
- Senhas fortes e autenticação de 2 fatores
- Configurações de privacidade reforçadas
- Atualização constante dos dispositivos
- Cautela com envio de imagens íntimas
Compromisso coletivo: ninguém solta a mão de nenhuma mulher – on-line e off-line
Para Amanda, a luta exige ação conjunta. “É preciso formar uma cultura de respeito também nos ambientes virtuais. Cidadania digital não é escolha, é obrigação de toda a sociedade”, ela diz.
A CUT integra a mobilização atuando em campanhas, negociações coletivas, ações de formação e apoio às políticas públicas de enfrentamento. “A CUT e seus sindicatos atuam todos os dias para que a violência contra as mulheres seja extinta, para que não exista mais misoginia, machismo ou desigualdade em nenhum espaço. Ninguém solta a mão de nenhuma mulher – nem na vida real, nem no mundo digital”, pontua a dirigente.
Fonte: CUT Brasil