Negociado desde o final dos anos 1990, o Acordo Mercosul–União Europeia está mais uma vez às portas da assinatura e, desta vez, com chances reais de se concretizar. A expectativa, de acordo com o próprio governo brasileiro, informada durante a reunião de cúpula dos presidentes do Mercosul, em Foz do Iguaçu, é de que o anúncio ocorra no dia 20 de dezembro
Para a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), entidade que reúne as centrais dos países do Mercosul e da qual a CUT faz parte, trata-se de um momento decisivo. A entidade reafirma sua oposição ao conteúdo do acordo, destacando que o texto não contempla direitos, proteção e desenvolvimento social para trabalhadores. “Não há mecanismos de participação social e ameaça a estrutura produtiva da região”, diz Quintino Severo, secretário adjunto de Relações Internacionais da CUT e secretário-geral da CCSCS, sobre o acordo.
Ainda assim, após décadas de idas e vindas, a avaliação política é que o acordo será firmado e que o movimento sindical precisa se preparar para disputar sua implementação.
“Acho muito difícil que o acordo não seja assinado e que não entre em vigor. O desenho dos parlamentos da nossa região faz com que seja difícil rejeitar o tratado. Aqui, nós não temos esperança de que ele não seja aprovado”, avalia o dirigente.
Entre resistências internacionais e o peso da conjuntura
Ao longo de quase três décadas, a assinatura do acordo se aproximou da assinatura inúmeras vezes. Outras tantas, recuou diante de divergências políticas, mudanças de governo ou resistências setoriais. Atualmente a oposição vem da França, onde o setor agrícola mantém forte pressão contra o tratado e organiza, inclusive, uma greve geral de agricultores em torno do dia 20 de dezembro.
Mesmo assim, Quintino Severo observa que o movimento europeu pode não ser suficiente para reverter o cenário. “A parte econômica do acordo já passou pelo Parlamento Europeu, e a parte política seguirá tramitando posteriormente, país por país”, explica.
No Mercosul, o modelo de ratificação também favorece a aprovação: cada país vota individualmente, o que reduz a possibilidade de veto coletivo. “O acordo vai ser ratificado pelos parlamentos do Mercosul, ou seja, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. O cenário político das casas legislativas torna isso muito provável”, reforça o dirigente.
Por que a CCSCS critica o acordo?
As críticas do movimento sindical se referem a um desequilíbrio entre as regiões. “Todo mundo sabe que somos contra ao acordo em função de todos os problemas que ele acarreta”, diz Quintino.
Quintino resume os principais pontos:
. ausência de transparência nas negociações;
. falta de participação da sociedade civil, especialmente dos trabalhadores;
. ameaça à indústria regional, com risco concreto de desindustrialização;
. reforço à lógica primário-exportadora, que mantém o Cone Sul dependente da venda de commodities;
. impactos ambientais graves, agravados pelo estímulo ao agronegócio brasileiro;
. desigualdade estrutural entre os blocos, que favorece grandes corporações e economias mais fortes.
A CUT e a CCSCS também apontam que o texto mantém estruturas de integração consideradas ultrapassadas, que não dialogam com os desafios ambientais, tecnológicos e sociais do século XXI.
Se é inevitável, o que fazer?
Quintino Severo relata que a representação da classe trabalhadora do Mercosul manté, as críticas, mas reconhece que a conjuntura exige ampliar o campo de incidência.
“É preciso buscar outros instrumentos. Se o acordo for efetivado, qual é o espaço que a sociedade civil, especialmente nós, trabalhadores, vamos ter para acompanhar, fiscalizar e opinar?”, questiona Quintino.
A construção de mecanismos institucionais de participação é o caminho mais adequado e possível para o futuro, segundo o dirigente.
Articulação com a Confederação Europeia de Sindicatos
A CCSCS e a Confederação Europeia de Sindicatos (CES) estruturaram um fórum conjunto, que já funciona e será a principal ferramenta para pressionar por espaços nos dois blocos. A ideia é que esse fórum se torne uma instância reconhecida no acompanhamento do acordo.
O movimento sindical no Mercosul também pretende fortalecer e utilizar mecanismo como;
. a Comissão Sociolaboral do Mercosul, instância tripartite para debate de condições de trabalho;
. o Fórum Consultivo Econômico-Social (FCES), espaço bipartite entre trabalhadores e empregadores.
A expectativa é criar estruturas semelhantes no âmbito europeu, garantindo simetria e diálogo permanente com governos e instituições dos dois blocos.
“Queremos abrir espaços institucionais para intervir sobre o que está acontecendo no acordo. A nossa prioridade agora é reconstruir esses espaços de monitoramento”, afirma Quintino.
O Acordo: implementação, revisão e disputa de médio e longo prazo
O texto do acordo prevê uma revisão formal somente após cinco anos de vigência. Para o movimento sindical, esse prazo é excessivo e precisa ser tensionado desde o início da implementação.
Esse é o ponto central da estratégia da CCSCS. Se a assinatura é provável, a disputa política começa agora e deve continuar de forma permanente, para reduzir danos, construir alternativas e buscar revisões antecipadas que contemplem emprego, direitos e desenvolvimento sustentável.
Uma disputa que continua após o dia 20
Enquanto a data de assinatura se aproxima, a CUT e a CCSCS intensificam a articulação com organizações sociais, movimentos ambientais, pesquisadores e parlamentares, tanto na América do Sul quanto na Europa. “Se o acordo é inevitável, sua forma de implementação não precisa reproduzir o modelo desigual que tem sido criticado pelos sindicatos há quase 30 anos”, pontua Quintino.
Fonte: CUT Brasil