Contra resistência do empresariado, trabalhadores lutam para aumentar pena para trabalho escravo

0

Escrito por: André Accarini

À primeira vista, parece ser a oferta de um trabalho decente. O trabalhador sai de sua região e vai para outras com a esperança de um salário maior e de condições para ajudar a família na terra natal. Mas a realidade pode ser outra. E quando esse trabalhador se dá conta,já está nas mãos dos patrões.

Até a abolição da escravidão no Brasil, o trabalho escravo tinha como definição o uso da mão de obra para atividades forçadas. Os escravos – negros africanos em sua maioria e índios – eram propriedades de seus senhores. Àquela época, escravos eram utilizados em lavouras e trabalhos pesados e se configuravam como parte do patrimônio de latifundiários. No século XXI a escravidão continua, mas de outra forma.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal brasileiro, quatro elementos podem configurar trabalho em condições semelhantes à escravidão nos dias de hoje: trabalhos forçados, jornada extenuante, condições degradantes e servidão por dívida. O artigo ainda deixa claro que é crime passível de cadeia ao empregador, urbano ou rural, quando seja constatada, além desses pontos, a retenção de documentos, como a carteira profissional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Organizações Unidas (ONU) direcionada ao trabalho decente, considera o artigo consistente com a Convenção nº 29 da entidade. Ao ratificar a convenção, o país se compromete a eliminar o trabalho forçado ou obrigatório em seu território. E o Brasil ratificou a convenção em 1957.

No entanto, um passo decisivo na história foi o ex-presidente Lula reconhecer que no Brasil ainda há trabalho escravo. Tal fato fez com que o debate ganhasse força e a Proposta de Emenda Constitucional(PEC) 438/01, que na época tramitava no Congresso, avançasse de forma eficaz para a aprovação.

A PEC foi aprovada no dia 22 de maio de 2012. A proposta permite a expropriação de imóveis rurais e urbanos onde a fiscalização encontrar exploração de trabalho escravo. Esses imóveis serão destinados à reforma agrária ou a programas de habitação popular. A aprovação se deu após grande mobilização do movimento sindical, movimentos sociais, e de outras personalidades.

A proposta determina que propriedades onde seja constatado o trabalho escravo devam ser revertidas à reforma agrária. Os movimentos sociais tinha grande expectativa em relação à PEC, mas um entrave se tornou o obstáculo principal para a aprovação.

Segundo o Secretário de Políticas Sociais da CUT, Expedito Solaney, o trabalho escravo ainda ocorre no Brasil por conta relação capital X trabalho. O dirigente avalia que em um país de capitalismo atrasado, a busca famigerada pelo lucro, a concentração de renda e a pouca clareza do empresariado brasileiro, sobretudo na zona rural, faz com que trabalhadores acabem se submetendo a condições degradantes de trabalho. “É inadmissível que, em pleno século 21, com o Brasil discutindo agendas do trabalho decente, ainda haja trabalho escravo. E o capital, a concentração de renda, a mais valia feroz ainda persistam em alguns setores”, completa o secretário.

Justamente essa ganância, como classifica Solaney, é que rege a política adotada pela bancada ruralista, que impede o avanço da PEC 438. A definição de trabalho escravo, embasada pelo Código Penal, não é aceita pelos parlamentares, que defendem os interesses do agronegócio. A argumentação é de que o conceito seja banalizado e possa ser confundido com um não cumprimento de leis trabalhistas pelos auditores do trabalho, que fiscalizam as denúncias. A forma de avaliação ocasionaria diferença na pena. Para trabalho escravo, a expropriação de terras. Para leis trabalhistas não cumpridas, seriam aplicadas multas, sem prejuízo de bens imóveis.

Solaney exemplifica: “Se um auditor chega a um determinado local de trabalho e não tem água em filtro, não há cama, não há colchão, nem travesseiro, pode considerar aquela condição como trabalho escravo e a propriedade então é considerada para reforma agrária (no caso de propriedades rurais). Esse é o medo da bancada ruralista. No entanto temos a plena convicção de que os auditores do trabalho tem absoluta competência para avaliar os casos e saber diferenciar leis trabalhistas de trabalho escravo. O que eles têm é medo de perder a terra. E querem brecha para continuar explorando.”

O dirigente lembra que até hoje nenhuma das ações de fiscalização e nenhuma das diligências considerou como trabalho escravo situações que não estivessem dentro das classificações do artigo 149 do Código Penal.

Solaney afirma que a CUT e suas entidades filiadas têm acompanhado as ações e constatado: se não há essas condições, não há autuação por trabalho escravo e sim por descumprimento a leis trabalhistas.

A rigor, segundo o dirigente, é uma questão legislativa. Solaney analisa que há falta de vontade política para bancar o debate e aprovar a PEC 438. “Nós temos já 19 anos de debate. Não Há vontade política. O Governo Federal e Secretaria de Direitos Humanos têm feito sua parte – de não recuar sobre o que está escrito, sobretudo no Código Penal. Não é o que faz o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que sintonizado com a bancada ruralista, usa o mesmo discurso, dizendo que ficaria ao bel prazer dos auditores do trabalho caracterizar a condição de trabalho escravo. A PEC foi aprovada pelo Congresso Nacional há dois anos. Nós não podemos retroceder. Temos que avançar”.

Solaney lamenta que o conceito de trabalho escravo ainda esteja sendo discutido. “Quando você está terminando de fazer, volta tudo e tem que refazer, porque a forma de legislar no Brasil é complexa. Há interesses do capital por trás, há a necessidade de reproduzir, concentrar renda. Esse é um Brasil que ainda vivemos”.

A CUT acompanha luta contra o trabalho escravo e pela aprovação da PEC 438. Expedito Solaney afirma que a Central continuará denunciando e exigindo do governo a coragem política para estabelecer as regras.

Expectativa – Expedito Solaney não fala em otimismo, mas acredita que existam três fatores que se consumados, podem acabar com o trabalho escravo em até dois anos: a garantia de trabalho decente, a regulamentação da convenção 158 da OIT e a redução da jornada de trabalho. No entanto, ele lembra que 2014 é um ano de eleição e será um ano de “enrolação” política. Para ele, a barganha dos ruralistas é muito grande o que o faz acreditar que o governo não enfrentará a bancada ruralista.

Você sabia?

Preocupação internacional da CUT – Contra a exploração da mão de obra estrangeira, a CUT defende a livre circulação no Mercosul além das relações comerciais. No Brasil, o trabalho escravo atinge um grande número de trabalhadores bolivianos e paraguaios que, por conta de sua situação ilegal no país, se submetem às condições degradantes de trabalho. O inverso traria segurança jurídica aos trabalhadores, além de lhes garantir direitos como à Previdência Social.

Trabalhadores libertados – Ao longo da última década, 49 mil trabalhadores em condições de escravidão contemporânea foram libertados. As denúncias são feitas geralmente através do Disque 100 ou quando trabalhadores conseguem furar o cerco dos patrões e os denunciam às autoridades.

Barracão – Uma das formas mais comuns de trabalho escravo contemporâneo é a contração de dívidas. O caso se dá quando o trabalhador se vê obrigado a consumir produtos como alimentos, roupas e de limpeza, vendidos pelos próprios patrões. As contas no final são, geralmente, negativas para o trabalhador, que acaba devendo até mais do que ganha, ficando à mercê do poderio patronal.

Déficit – Atualmente, o Brasil tem uma defasagem de aproximadamente 800 auditores do trabalho.


Fonte: CUT

Comments are closed.