Por Juliana Passos e Nara Lacerda*
O Brasil voltou a enfrentar altas temperaturas nas últimas semanas em diversas regiões do território nacional e atingiu um novo recorde para o ano. No dia 23 de janeiro, a cidade gaúcha de Quaraí registrou 42,4 graus celsius, maior temperatura observada até o momento em 2025.
Frente aos extremos, problemas de saúde podem ser agravados. Na lista estão desidratação, insolação, câncer de pele, infecção alimentar, aumento na circulação de arboviroses e até ataque cardíaco, acidente vascular cerebral e questões respiratórias.
O cenário atinge toda a população e dificulta atividades corriqueiras como trabalho, estudos e lazer. Mas os danos são especialmente maiores para trabalhadores e trabalhadoras que atuam em atividades que exigem maior esforço e ocorrem em ambientes externos, como a limpeza urbana, a construção civil e a segurança pública.
Em conversa com o podcast Repórter SUS, o coordenador do Observatório de Clima e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Diego Xavier, afirma que é preciso buscar uma adaptação do mundo do trabalho a essa nova realidade.
“Vamos precisar readaptar o sistema. Não é razoável que um trabalhador ande 30 quilômetros por dia em um caminhão de lixo no calor extremo. Ele não tem pontos de apoio para reidratação. A longo prazo, essas pessoas podem desenvolver vários desses problemas.”
Segundo ele, o debate sobre as mudanças sociais para qualidade de vida, que já está acontecendo na sociedade, precisa dialogar com as questões ambientais. O professor trouxe como exemplo a discussão sobre a diminuição da escala de trabalho, que tem tomado o Brasil.
“Quando discutimos algo voltado para os trabalhadores, como o fim da escala 6×1, como vamos conseguir nos adaptar? Imagine chegarmos a uma situação em que algumas atividades não sejam mais possíveis em um período de calor extremo e ainda estarmos aqui discutindo uma jornada razoável de trabalho.”
Pressão no SUS
Um outro ponto de atenção diz respeito à capacidade de o Sistema Único de Saúde (SUS) lidar com a demanda de atendimento provocada pelas mudanças climáticas. O crescimento na busca por atendimento não diz respeito apenas ao calor extremo, mas aos grandes desastres ambientais, ao surgimento de novas doenças e outras emergências.
No ano passado, o Ministério da Saúde precisou montar tendas de atendimento nas cidades mais afetadas pelo calor, para oferecer serviços como nebulização e hidratação emergencial. Na cidade do Rio de Janeiro, a prefeitura estabeleceu escalas de calor. A sequência de três dias com temperaturas acima de 40 graus célsius, por exemplo, impede a realização de eventos externos.
Na conversa com o Repórter SUS, André Xavier destaca que o sistema está mais preparado em algumas regiões do que em outras e que é preciso levar em consideração as características territoriais e demográficas para estabelecer as medidas. É preciso lembrar que populações vulneráveis, crianças, idosos e comunidades periféricas sofrem mais as consequências das mudanças climáticas.
“O SUS é uma forma de trazermos alguma equidade, alguma igualdade de condições de vida para a população. Mas ele não opera com folga. Então, quando temos uma onda de calor, pode haver aumento da demanda de serviços nesse sistema, que já não está com folga. Corremos o risco de problemas de rotina deixarem de ser atendidos. Fora isso, temos aumento de mortalidade na população mais vulnerável. É um cenário bastante complexo do ponto de vista do sistema e dos impactos tanto diretos quanto indiretos”.
*O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz. Novos programas são lançados todas as semanas. Ouça aqui os episódios anteriores.
Fonte: Brasil de Fato