48 anos, de idade, 27 deles como bancária de uma instituição privada na Região Metropolitana de Belém. O que começou com a realização de um sonho do primeiro emprego com carteira assinada aos 22 anos, hoje deixa marcas pelo corpo doente da trabalhadora de licença-saúde que prefere não ser identificada.
“Naquela época eu autenticava malotes até às 22h, mais de 1000 autenticações por dia, tudo sozinha. Não tinha registro de ponto, nada. Essas jornadas excessivas me causaram uma tendinite e mesmo assim fui desligada pela primeira vez em 2017”, lembra.
Por conta própria, a bancária contratou perito, deu entrada no benefício, processou o banco e foi reintegrada. A empresa recorreu e mais uma vez ela foi demitida, reintegrada, até que ano passado, meses após a segunda reintegração, ela descobriu outra doença: derrame intra-articular nos joelhos.
“O plano de saúde não cobre o tratamento que é todo custeado por mim. As dores são tão fortes a ponto de eu não conseguir andar e por isso tive que me afastar por 15 dias. Tudo que quero hoje é minha aposentadoria, pois até doente fui trabalhar, abri mão de reunião na escola dos meus filhos, sempre fui muito dedicada e mesmo assim o banco puxou meu tapete”, desabafa.
‘Puxar o tapete’ a bancária refere-se a mais uma desligamento da empresa faltando apenas 3 anos para ela se aposentar. Dessa vez ela procurou ajuda do Sindicato que acompanha o caso de perto.
“Muitos colegas abrem mão da vida pessoal, de momentos importantes com a família, em prol do trabalho e isso os adoecem a ponto de eles não perceberem que a causa está no trabalho”, explica a diretora de saúde do Sindicato, Heládia Carvalho, que nos dias 10 e 11, participou do seminário sobre metas abusivas e adoecimento no trabalho, realizado pela Contraf-CUT em São Paulo.
A primeira mesa do evento abordou o que a bancária, que abriu essa matéria, vive hoje na pele, as consequências das metas abusivas, os riscos psicossociais e os impactos à saúde dos bancários.
Elisa Ferreira, psicóloga, especialista em psicologia clínica, perita assistente na justiça do trabalho, consultora e assessora em saúde do trabalhador, explicou os quadros de sintomas de bancários que podem indicar o início do adoecimento. “A sociedade está acostumada a perguntar se está com problemas em casa, com os filhos, com o casamento, na vida pessoal de forma geral, quando na verdade, o problema está no local de trabalho. Precisamos ficar atentos”.
Elisa, que é membro da Comissão Intersetorial em Saúde do Trabalhador e da Comissão de Saúde Mental do Conselho Municipal de Saúde de Florianópolis, além de Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa em Educação e Saúde (CNPq), diz que o maior problema é a vergonha dos trabalhadores em assumir um problema. “Menos de 20% dos bancários, com este tipo de problema, apresentam os atestados ou buscam seus direitos para os tratamentos. Eles têm medo de apresentar a documentação e ficarem com um X nas costas. Temos que coibir este tipo de mentalidade nos bancos”, explicou.
Metas abusivas
A segunda mesa tratou de metas abusivas, seus limites legais e a estratégia jurídica de enfrentamento. Jane Salvador Gizzi, advogada trabalhista; mestre em Direito Econômico e Social PUC/PR; professora licenciada do Centro Universitário Unibrasil e membro do Instituto Declatra, explicou os efeitos deste tipo de gestão na vida do trabalhador. “Às vezes o trabalhador atingiu a meta, mas a que custo? A cobrança abusiva leva à precarização da existência, quando o trabalhador faz as coisas sem perceber, trabalha resistindo, trabalha adoecido, até não aguentar mais”.
Há também a forma de trabalho como mercadoria, apontou ela. “A falta de identidade do trabalhador, ele trabalha como se o negócio fosse dele. Ele tem na cabeça que precisa se pagar. Ele acaba sendo o responsável pelo lucro para pagar por ele mesmo”.
Outro modelo de repercussão e o modelo de vida “Just In time”, tudo para agora. “As metas não são mais semestrais, são do dia, da semana. É tudo para ontem, o que aumenta muito a cobrança. Isso vem junto com o abuso do direito mediante das técnicas e políticas de gestão: metas abusivas, controle do tempo, do ritmo e da produtividade”, comntou a advogada.
Para Elisa, o melhor tipo de enfrentamento é o trabalho e a união junto ao movimento sindical. “Sem a união dos trabalhadores, todos vão sofrer sozinhos, cada um em seu local de trabalho”, finalizou.
Antônio Vicente Martins, assessor jurídico do Sindicato dos Bancários Porto Alegre, completou a apresentação da colega. Ele mostrou alguns inquéritos que envolvem programas de metas pelos altos índices de adoecimento. “Os bancos têm uma violação sistemática das métricas de saúde, o que acaba gerando o adoecimento de toda a categoria. Os bancos também não só dificultam o processo de entrega dos atestados, como impõem uma política punitiva aos trabalhadores afastados”, disse. “Por isso, ele não tem interesse em ter um controle de adoecimento de seus quadros de funcionários, pois ficariam claro que as políticas de gestão são as culpadas”, completou.
Assédio moral é novo modelo de gestão nos bancos
Trabalhar sobrecarregado, ter de cumprir metas diárias e sofrer cobranças fora do horário de trabalho se tornaram situações comuns no dia-a-dia de muitos trabalhadores. Porém, de acordo com a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Sofia Vilela de Moraes e Silva, atitudes como essas se configuram como assédio moral no trabalho. O assunto foi abordado na terceira mesa do Seminário de Saúde.
A procuradora explicou que o assédio moral no trabalho pode acontecer por gestos, palavras ou comportamentos. “A tecnologia possibilita que o assédio moral aconteça de outras formas. Muitas denúncias que recebo, geralmente, já vêm acompanhadas de provas, como e-mails enviados além do horário de jornada com cobranças, áudios e conversas de aplicativos de mensagens”, disse.
As metas abusivas estipuladas pelos empregadores também são consideradas como tal prática, de acordo com Sofia Silva. “Para se configurar como meta abusiva, a cobrança tem de ser repetitiva e sistemática, extrapolar a razoabilidade e atingir o psicológico do trabalhador”, explicou.
Nos bancos, a forma mais comum de assédio moral é organizacional, quando um trabalhador cobra o outro, pois todos da empresa precisam bater a meta. Já o assédio moral interpessoal, acontece entre o superior e o trabalhador e vice-versa e entre colegas de trabalho da mesma hierarquia.
Segundo a procuradora do trabalho, para combater o assédio moral nas empresas, é preciso aumentar a fiscalização, a punição e estimular o judiciário a definir punições que façam os empregadores reverem suas atitudes com os funcionários.
Programas de avaliação de resultados
A última mesa do Seminário abordou a subjetividade no novo modelo de gestão dos bancos e como ela é implantada nos programas de avaliação por performance, aplicado pelas empresas, como o Programa de resultados AGIR/Trilhas do Itaú.
Para o psicólogo André Guerra, é importante ter a compreensão do modo de poder opressivo e sedutor que vem se instalando nas empresas junto com as novas tecnologias. “O Trilhas (programa de resultados) possui uma série de variedades subjetivas, dentre elas: funcionário com atitude de dono e foco no cliente, tudo isso faz com que as pessoas “sejam seduzidas” e pensem que a avaliação ajuda o profissional a se aperfeiçoar. Mas, não. Essa subjetividade é um alimento para o assédio moral”, disse.
Uma das estratégias de enfrentamento contra essas ferramentas, que promovem o assédio moral, é ter conhecimento dessa tecnologia. “Precisamos ir até a nossa base e expor que não é da forma como o programa de resultados está sendo apresentado, mas sim, promove o assédio moral coletivo, quando estabelece uma avaliação de excelência inatingível. Mas, ao mesmo tempo, precisamos tomar cuidado para que essas pessoas não se tornem nossas adversárias, porque isso pode acontecer”, concluiu o psicólogo.
Fonte: Bancários PA com Contraf-CUT