Tribunal Popular em Defesa da Amazônia, na COP 30, reúne denúncias de violações, exige reparação e responsabiliza empresas e governos por crimes socioambientais.
Belém (PA) — Em um auditório superlotado na Universidade Federal do Pará (UFPA), durante a Cúpula dos Povos na COP 30, movimentos sociais, organizações de direitos humanos e lideranças tradicionais realizaram, na quinta-feira (13), o Tribunal Popular em Defesa da Amazônia, um júri popular que reuniu denúncias históricas contra grandes mineradoras atuantes no Pará.
O Tribunal, promovido pela FASE, MAM (Movimento pela Soberania Popular na Mineração), GESTERRA/UFPA, AIAAV (Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale), SDDH/PA e Terre Solidaire, condenou por unanimidade as empresas Vale, Hydro, Imerys/Artemyn e Belo Sun por sucessivas violações socioambientais contra povos e territórios amazônicos.
Os governos estadual e federal também foram responsabilizados por omissão, conivência e facilitação de empreendimentos sem consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT.
Crimes contra a humanidade: a sentença e sua força política
A juíza responsável pela leitura do documento final, a advogada Jéssica da Silva Santana, afirmou que os laudos periciais e os relatos das comunidades apontam para um quadro grave e persistente de violação:
“Há contaminação do ar, dos rios e igarapés com resíduos tóxicos e metais pesados acima do permitido, devastação de florestas, expulsão de comunidades e violação sistemática do direito à consulta.”
Trechos da sentença reforçaram a gravidade das infrações:
“Por causarem assoreamento e contaminação de igarapés e rios; por imporem miséria às comunidades; por cometerem violações contra defensores e defensoras dos direitos humanos.”
O documento recomenda ainda que a ONU e o Tribunal Penal Internacional (TPI) passem a enquadrar crimes socioambientais desse tipo como crimes contra a humanidade, criando precedente internacional para julgamentos futuros.
Territórios que denunciam: Munduruku, quilombolas, ribeirinhos
Ao longo de horas de sessão, dez vítimas e especialistas apresentaram depoimentos que evidenciaram a profundidade das violações. Lideranças Munduruku, quilombolas e ribeirinhas relataram contaminação das águas, destruição florestal, restrições de circulação e a entrada forçada de empresas em suas áreas.
O indígena Manuel Munduruku descreveu a situação do rio que abastece sua comunidade:
“A água está cor de barro. A gente sente coceira até para tomar banho. Sofremos sem a água.”
Em Barcarena, epicentro de desastres e conflitos ambientais envolvendo mineradoras no Pará, quilombolas denunciam vazamentos químicos, poluição do ar e abandono institucional.
“Somos tratados pior do que cachorro. As empresas chegam e acabam com tudo”, relatou uma moradora impactada pela Hydro.
Plateia lotada, resistência viva
O Tribunal respeitou toda a liturgia jurídica: escrivão, oficial de Justiça, representantes legais e ritos de acusação e defesa. Advogados das empresas e do Estado, nomeados pelos organizadores, compuseram o banco dos réus.
Mas a formalidade não conteve a força do público: a cada fala dos defensores das mineradoras, indígenas e quilombolas reagiam com palavras de ordem e cantos tradicionais. O auditório, preparado para cerca de 90 pessoas, recebeu quase o dobro, com participantes ocupando antessala, corredores e permanecendo de pé até o fim.
“Poder e impunidade não podem silenciar os territórios”, diz João Gomes, da FASE.
No encerramento, João Gomes, coordenador adjunto da FASE, destacou o papel político e simbólico do Tribunal, sublinhando que a iniciativa é uma forma concreta de resistência e produção de justiça pelos próprios territórios:
“Este Tribunal teve como objetivo colocar no banco dos réus empresas da cadeia da mineração aqui na Amazônia e em outros países do Norte Global. Tivemos depoimentos reais de pessoas afetadas em seus territórios, e isso embasou todo o julgamento. É simbólico, é uma simulação, mas tem força e potência para trazer ao debate empresas que cometem violações e nunca são julgadas porque têm muito poder e muito dinheiro.”
Gomes ressaltou a importância da denúncia pública num cenário em que comunidades seguem invisibilizadas:
“A sentença será encaminhada às autoridades, ao governo do Estado, às organizações internacionais de direitos humanos e aos participantes da COP 30. É assim que o povo pode ter voz, já que não têm voz nos espaços oficiais da COP ou nos espaços que decidem políticas que afetam seus territórios.”
Para ele, o Tribunal se insere em uma luta maior:
“A solução vem dos territórios. É por isso que a FASE segue debatendo, propondo e construindo alternativas reais para enfrentar a crise climática.”
Fonte: ONG FASE