O que move milhares de trabalhadoras rurais a participar da Marcha das Margaridas, organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), é a certeza de que a ida à capital federal mudará a realidade do trabalho e da vida das camponesas de todos os cantos do país.
“É a certeza de que só a luta e a resistência, a persistência e a coragem podem transformar vidas daquelas que eram invisíveis para o estado brasileiro”, afirma a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro.
E ela fala com a propriedade e experiência de uma agricultora familiar do Pará que participou da primeira marcha no ano de 2000, época em que cuidava de suas terras em Igarapé Miri. “a marcha é capaz de mover nosso coração, nossa alma, é uma paixão verdadeira para transformar o país”.
Para descrever a diversidade das camponesas que participam da maior ação de mulheres da América Latina, Carmen escolheu a simbologia que um trecho da música oficial das Margaridas representa:
“Somos de todos os novelos. De todo tipo de cabelos, grandes, miúdas, bem erguidas. Somos nós as Margaridas – a gente vem de todos os lugares do Brasil”.
E isso acontece de quatro em quatro anos, quando camponesas de todos os sotaques – do sertão, do sul, do norte, de todas as regiões do Brasil – cruzam céus, rios e terras para “florir” Brasília. As trabalhadoras rurais pegam seus colchonetes, suas roupas, utensílios de higiene pessoal, cobertor, medicamentos, protetor solar, bonés e o chapéu de palha com sua margarida de enfeite, se organizam em caravanas e vão marchar nas ruas de Brasília para lutar pelos seus direitos. Até chegar a capital federal, seguem de barco, de ônibus, de carona e até de avião.
Pelo que elas lutam?
Diferente dos que vivem na cidade, no meio rural não se reivindica salários se reivindica casa boa para morar, galinha no quintal, uma estrada para ir e vir à cidade para vender a produção, transporte, escolas e postos de saúde perto de onde moram e produzem.
Elas lutam por um conjunto de políticas públicas básicas para uma vida e trabalho dignos, porque a agricultura familiar é um modo de vida e trabalho. É uma produção que envolve membros de uma família e precisa ter a presença do Estado para garantir condições dignas de vida e produção de alimentos saudáveis.
A secretária da Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, que também é agricultora familiar de Pernambuco, ressalta a solidariedade e união das margaridas de todos os cantos do Brasil.
“Há uma teia, uma rede de centenas e milhares de mulheres que estão fazendo o debate nas suas comunidades rurais, nos movimentos de mulheres, nas periferias e que de algum jeito constroem coletivamente a ida das mulheres à Brasília”.
Segundo Madalena, elas fazem atividades, bingos, jantares, vendem rifas, fazem eventos, pedem para os amigos para conseguir ir à marcha e potencializar as denúncias de todas as formas de violência e retrocessos que vivem.
“Tem um boneco do capital governando o país que está destruindo nossas riquezas, privatizando as empresas públicas, destruindo a amazonas, as políticas públicas que conquistamos”, diz Madalena se referindo ao governo de Jair Bolsonaro (PSL).
“E a marcha é luta, enfrentamento, resistência e também denúncia de toda forma de retrocesso e opressão que o governo está fazendo contra a classe trabalhadora, em especial da vida das mulheres rurais”, finalizou Madalena.
Margaridas vão denunciar retrocessos
A “6ª Marcha das Margaridas de 2019, por um Brasil com Soberania, Democracia, Justiça, Igualdade e Livre de Violência” acontecerá entre os dias 13 e 14 de agosto, em Brasília, e terá uma característica de denúncia de retrocessos e também de reivindicação do país que as camponesas querem.
“Tivemos perdas profundas nos direitos da classe trabalhadora, mais especificamente das trabalhadoras rurais. Sabemos que não é esse país que queremos, mas também sabemos que as nossas reivindicações não podem ser entregues a um governo que não dialoga com os trabalhadores e trabalhadoras”, afirmou a vice-presidenta da CUT, Carmen Foro.
“A ideia é fazer uma plataforma geral para dizer o que pensamos para o país e denunciar o que foi desmontado, porque queremos soberania, democracia, justiça, igualdade e um povo livre de violência, tudo que está sendo destruído por este governo que também quer nos matar”, frisou Carmen, se referindo ao apoio do governo ao agronegócio, a liberação de mais de 260 tipos de venenos e do porte de armas aos fazendeiros.
A participação das CUTistas
Desde a primeira edição da Marcha das Margaridas em 2000, um grande número de mulheres da CUT participa de toda a construção do evento, do debate político à luta pelos direitos reivindicados pelas trabalhadoras rurais. E em 2019 não será diferente.
Segundo a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, a importância da CUT participar da Marcha das Margaridas vai além da parceria. A Marcha é um dos momentos mais importantes para a trabalhadora, diz.
“As mulheres da CUT em todo o país, mesmo com esta conjuntura altamente diversa das marchas anteriores, não desistiram e vão marcar presença e visibilidade na 6ª edição da marcha”, afirmou Juneia.
A dirigente disse que as mulheres Cutistas urbanas também estão absolutamente envolvidas na construção da mobilização e que a marcha será um marco como primeira grande ação das camponesas em Brasília contra a política de retirada de direitos do governo ultraliberal de Bolsonoro e suas milícias.
História e conquistas da Marcha das Margaridas
Organizada pela Contag para ser realizada de 3 em 3 anos, a Marcha das Margaridas teve sua primeira edição no ano de 2000 e mesmo com a reação do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) de receber a pauta das camponesas e engavetar, a mobilização em Brasília naquele ano foi considerada um sucesso no sentido de organização e fortalecimento da luta das mulheres do campo.
De acordo com Carmen, essa primeira marcha tirou as mulheres do campo da invisibilidade total ao ocupar a capital do Brasil num período de muita fome e de uma situação extremamente difícil.
Mas, na volta aos seus estados, as trabalhadoras rurais perceberam a grande conquista: a organização de base das mulheres do campo.
“No final, a conquista da marcha foi a da nossa visibilidade e a construção da nossa organização. Viemos para cena pública reclamar sobre a nossa péssima situação de vida. Nós não éramos consideradas como pessoas que existiam e produziam alimentos e a partir daí fortalecemos a nossa organização nos sindicatos, nas associações e nos bairros”, contou Carmen.
Com Lula, surgiu o diálogo
Já em 2003, como secretária de mulheres da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Pará (FETAGRI-PA), Carmen disse que a mobilização para a Marcha das Margaridas foi muito maior. Só do Pará, a quantidade de ônibus foi 20 vezes maior. Além da capacidade de organização e luta ter aumentado, as mulheres do campo encontrariam outro governo em Brasília.
“Mesmo com o orçamento ainda do governo anterior, o governo do presidente Lula abriu definitivamente o diálogo com as trabalhadoras rurais. Não só nas marchas, mas sempre que precisamos discutir melhorias para nossa categoria, Lula abria as portas do Planalto para gente”, afirmou Carmen.
Em 2005, a dirigente CUTista assumiu a direção da Contag e alterou o período de realização da Marcha das Margaridas para 4 em 4 anos. Assim, a Marcha voltou a acontecer somente em 2007.
Diálogos se transformam em políticas
Entre os anos de 2007 e 2011, os diálogos foram se transformando em políticas de governo e as trabalhadoras rurais viram suas vidas melhorando, com a Política Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural e a Titulação de Terras em nome das mulheres.
“Com documentos, as mulheres conseguiriam avançar no acesso a outras políticas e a partir daí foi evoluindo e avançando na saúde no campo, na educação e no crédito com recorte de gênero, dado muito importante porque as mulheres não tinham acesso ao crédito”, explicou Carmen.
Ela ressaltou também a Política Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) que garantia a comercialização dos alimentos que as mulheres produziam, dando às mulheres autonomia financeira pra garantir à família uma vida mais digna e mais justa.
Em 2011, a Marcha das Margaridas foi recebida pela presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher presidenta do Brasil, que chegou a anunciar o Plano Nacional de Agroecologia, uma demanda das trabalhadoras rurais. Até 2014, as camponesas foram ouvidas e conseguiram ampliar várias políticas com recorte de gênero.
Depois do golpe
Mas a partir de 2015, as políticas públicas para a categoria começaram a se desmanchar por falta de orçamento. Depois do golpe a situação só piorou para as trabalhadoras rurais.
Com o governo do ilegítimo e golpista de Michel Temer (MDB-SP) e agora com Bolsonaro, as políticas do campo quase não existem mais. E é neste cenário que as Margaridas vão florir Brasília.
Para a secretária da Juventude da CUT, Cristiana Paiva, que também é agricultora familiar em Roraima, os retrocessos e os ataques deste governo contra a classe trabalhadora não vão enfraquecer a marcha, pelo contrário.
“As trabalhadoras rurais são mulheres ousadas e levam com elas a força e representatividade de Margarida Alves, que morreu lutando por direitos e justiça. Brasília ficará florida e receberá milhares de trabalhadoras que não querem este país e sim um lugar que possam viver e trabalhar com dignidade”, afirmou Cristiana,
Homenageada da Marcha das Margaridas
A Marcha das Margaridas é homenagem das trabalhadoras rurais a sindicalista Margarida Maria Alves, que foi assassinada por um matador de aluguel, na porta da sua casa, aos 40 anos, no dia 12 de outubro de 1983.
A paraibana foi morta por lutar pelos direitos das trabalhadoras e dos trabalhadores rurais de Alagoa Grande, por lutar pela reforma agrária, pelo direito à terra, igualdade entre as pessoas, por denunciar abusos e desrespeitos aos direitos da classe. Hoje, Margarida Alves é um símbolo da maior ação de mulheres do campo da América Latina.
A líder sindical paraibana disse em um discurso de comemoração pelo 1° de maio, Dia Internacional do Trabalhador e da Trabalhadora, que era melhor morrer na luta do que morrer de fome.
Trinta e seis anos depois de sua morte, as palavras de Margarida Maria Alves ainda ecoam entre as mulheres trabalhadoras rurais e dão força para a luta diária por representatividade e melhores condições de trabalho e de vida no campo.
Fonte: CUT Nacional