Por Rosane da Silva*
Em 2008, na 12ª Plenária Nacional da CUT, aprovamos o relançamento da Campanha pela Igualdade na Vida, no Trabalho e no Movimento Sindical com o objetivo de denunciar e avançar na superação da desigualdade entre homens e mulheres, que é a base para a manutenção da sociedade patriarcal e capitalista.
A julgar pelos dados divulgados na pesquisa “As Estatísticas de Gênero – Uma análise dos resultados do Censo Demográfico 2010”, produzidas pelo IBGE em parceria com a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) e a Diretoria de Políticas para Mulheres Rurais e Quilombolas do Ministério do Desenvolvimento Agrário (DPMRQ/MDA), lançada no dia 31 de outubro, o tema da campanha continua atual.
A publicação apresenta indicadores sobre aspectos populacionais, mercado de trabalho, rendimento, educação e pessoas com deficiência. Os dados estão desagregados por sexo, cor ou raça, grupos de idade, entre outras.[1] No presente texto vamos concentrar nossa avaliação em aspectos relacionados ao mundo do trabalho.
As mulheres estudam mais, mas ganham menos
Mesmo com índices superiores de escolaridade, as mulheres ganham em média 68% do que recebem os homens. “Em números absolutos, a pesquisa mostrou rendimento médio para os homens de R$ 1.587, contra R$ 1.074 das mulheres (67,7% do rendimento masculino). Em 2000, a desigualdade era ainda maior, com mulheres recebendo 65% do rendimento médio dos homens. Há variações regionais, mas a média é essa.”[2] As mulheres tiveram o maior aumento real do rendimento médio de todas as fontes na comparação entre 2010 e 2000 (12,0%), mas a disparidade permanece alta.
Os dados mostram que a questão racial e a territorial interferem na remuneração. O rendimento médio das mulheres pretas ou pardas (R$ 727) correspondia a 35,0% do rendimento médio dos homens brancos (R$ 2.086). As mulheres rurais são as que apresentam os rendimentos mais baixos (R$ 480), valor inferior ao salário mínimo vigente no período (R$ 510).
Conforme o tempo passa a diferença aumenta
Em média, as jovens de 18 a 24 anos de idade recebiam 88,0% do rendimento dos homens, enquanto as mulheres de 60 anos ou mais de idade apresentavam um rendimento equivalente a 64,0% do rendimento dos homens nesta faixa etária.
Esses números confirmam o que temos dito: o rendimento médio da população ocupada aumenta com a idade para ambos os sexos, assim como a desigualdade de rendimento por sexo.
Crescimento da taxa de formalização foi menor para as mulheres
Nem toda pessoa com trabalho considerado formal tem carteira assinada. Quando falamos em taxa de formalização estamos nos referindo também a pessoas com carteira de trabalho assinada, mas não só, fazem parte dos trabalhadores e trabalhadoras formais os funcionários públicos, os militares e os trabalhadores por conta própria e empregadores que contribuem para a previdência social. Esse número passou de 50,5% em 2000 para 58,6% em 2010.
Em 2000, 50% dos homens e 51,3% das mulheres tinham emprego formal, valores que aumentaram para 59,2% e 57,9% em 2010, respectivamente, ou seja, um aumento de 9,2% para os homens e 6,6% para as mulheres, tendência que se reproduz em todos os grupos de idade e de cor ou raça.
Entre as trabalhadoras de cor preta ou parda o crescimento da formalização foi ligeiramente superior (de 56,8% para 64,3%) ao das mulheres brancas
Apesar da maior inserção das mulheres no mercado de trabalho, e do aumento de seus salários, ainda enfrentamos o desafio da informalidade. Em 2010, 30,4% das mulheres de 16 anos ou mais de idade não tinham qualquer tipo de rendimento, percentual acima do observado para o total da população nessa faixa etária (25,1%) e para os homens (19,4%).
Aumenta número de mulheres que recebem até um salário mínimo
Em 2000, a proporção de pessoas com rendimento até um salário mínimo era 19,8%, sendo ligeiramente maior entre as mulheres (20,8%). Em 2010, essas proporções se elevaram para 29,8% e 33,7%, respectivamente. Os menores rendimentos têm sexo, cor ou raça e localidade, visto que 50,8% das mulheres pretas ou pardas da região Nordeste têm rendimento até um salário mínimo, assim como 59,3% das mulheres nas áreas rurais desta região.
Além da valorização do salário mínimo, houve aumento real do rendimento médio de todas as fontes na comparação entre 2010 e 2000. As mulheres tiveram o maior aumento relativo (12,0% frente a 7,9% dos homens). O crescimento do rendimento feminino reduziu um pouco as disparidades entre os sexos, mas não foi uniforme em todo o país.
Número de mulheres com carteira de trabalho assinada aumentou, porém menos que para os homens
A proporção de mulheres com carteira de trabalho assinada aumentou de 32,7% em 2000 para 39,8% em 2010. As mulheres brancas são maioria entre as trabalhadoras com carteira de trabalho assinada (58,4%).
Apesar de ser positivo esse crescimento é importante mencionar que foi inferior ao observado para os homens, cuja proporção aumentou de 36,5% para 46,5%. O diferencial entre os sexos passou de 3,8 pontos percentuais em 2000 para 6,7 pontos percentuais em 2010.
A participação das trabalhadoras domésticas na estrutura ocupacional das mulheres sofreu redução entre 2000 e 2010, passando de 18,5% para 15,1% das que trabalhavam. Aspectos positivos a serem ressaltado são: diminuição de trabalhadoras domésticas sem carteira de trabalho de 13,0% para 10,0% e a queda de 5,5% para 2,1% das trabalhadoras não remuneradas. Foram as duas formas de inserção nas relações de trabalho que mais sofreram redução entre as mulheres no período analisado.
As mulheres pretas ou pardas compõem a maior proporção de trabalhadoras domésticas com (57,0%) e sem carteira de trabalho assinada (62,3%).
Mulheres negras responsáveis por 38,7% das famílias
Das 50,0 milhões de famílias (únicas e conviventes principais) que residiam em domicílios particulares em 2010, 37,3% tinham a mulher como responsável.[3] Este indicador se eleva ligeiramente a 39,3% para famílias em áreas urbanas e diminuiu consideravelmente (24,8%) para famílias em áreas rurais. Do total de famílias com responsável de cor ou raça preta ou parda, 38,7% tinham a mulher nesta condição.
A participação das mulheres como responsáveis supera a média nacional quando analisados os domicílios com menor renda. Quando o ganho per capita é de até meio salário mínimo (R$ 362), a proporção de mulheres chefiando sobe para 40,8% e chega a 46,4% nas áreas urbanas. Já quando a renda é de mais de dois salários por pessoa da família (R$ 1.448), a taxa cai para 32,7%, cinco pontos percentuais abaixo da média geral (37,3%).
Apesar de chefiarem menos famílias nas áreas rurais, as mulheres têm maior contribuição na renda dessas residências, com 42,4%, contra 40,7% das famílias que moram nas áreas urbanas.
As mulheres nordestinas são as que mais participam da renda familiar, com 46,8%. Os lares rurais do Nordeste são os únicos em que a participação delas supera a dos homens, com 51%.
Ainda segundo a pesquisa, as mulheres pretas e pardas têm maior participação na renda de suas famílias que as brancas, com uma proporção de 42% contra 39,7%.
A importância das creches para as mulheres trabalhadoras
Um aspecto importante a ser enfatizado é o aumento da frequência escolar que ocorreu entre 2000 e 2010.
O maior incremento ocorreu para crianças de 4 a 5 anos de idade, cuja frequência a escolar passou de 51,4% em 2000 para 80,1% em 2010. Para a faixa de 6 a 14 anos o percentual mudou de 93,1% para 96,7% e, entre os jovens de 15 a 17 anos, de 77,7% para 83,3%.
Em 2010 o nível de ocupação das mulheres com filhos até três anos de idade que frequentavam creche (65,4%) é superior ao daquelas cujos filhos não frequentavam (41,2%) ou daquelas que têm apenas algum filho frequentando creche (40,3%). O nível de ocupação para mulheres que viviam em áreas urbanas e possuíam todos os filhos de até três anos frequentando creche (66,9%) foi 19,6 % maior do que o observado para as áreas rurais (47,3%).
O que leva a essa situação de diferença salarial?
Um aspecto a ser abordado é a segmentação das profissões e áreas de atuação. As mulheres possuem formação em áreas que apresentam menores rendimentos.
As áreas gerais de formação nas quais as mulheres com 25 anos ou mais de idade estão são: “Educação” (83,0%) e “Humanidades e Artes” (74,2%), justamente aquelas com menor rendimento mensal médio entre as pessoas ocupadas (R$ 1.811 e R$ 2.224, respectivamente). O diferencial se mantém mesmo quando a proporção de mulheres se torna equivalente à dos homens, como na área de “Ciências Sociais, Negócios e Direito”, onde as mulheres recebiam 66,3% do rendimento dos homens.
Outro dado interessante para refletirmos é o fato de no início de sua carreira profissional as jovens não terem tanta diferença salarial em relação aos jovens, porém, na medida em que o tempo passa essa diferença cresce. Isso ocorre porque não há equipamentos públicos para cuidado de crianças e demais pessoas dependentes, e também porque não há responsabilidade compartilhada. Por isso para nós é fundamental a licença parental de 180 dias para cada um dos pais e a construção de creches e equipamentos públicos.
Um aspecto positivo a ser mencionado, é a ampliação de vagas para crianças de quatro a seis anos, mas ainda há uma enorme lacuna em relação às crianças de zero a três anos, embora os dados apontem que as creches para filhos de até três anos impactaram positivamente no nível de ocupação das mães.
Também vale a pena citar a redução do número de trabalhadoras domésticas, combinado com o aumento de trabalhadoras com carteira assinada e a queda das trabalhadoras não remuneradas. Esses dados colocam na ordem do dia a necessidade de regulamentar os direitos dessas trabalhadoras.
Lutar para avançar
Esses dados demonstram que precisamos continuar a denunciar e lutar para superar as desigualdades entre mulheres e homens, objetivos que tínhamos quando relançamos a campanha.
É necessário aprofundar o debate, elaborar propostas e estabelecer estratégias para superar as situações que esses dados apresentam, para que as as mulheres tenham igualdade em sua vida, em seu local de trabalho e no movimento sindical.
Os números apontam importantes conquistas para as mulheres ao longo dos últimos dez anos: deu mais visibilidade e reconhecimento ao trabalho realizado pelas mulheres, ao garantir que um maior número delas tivesse acesso a trabalho formalizado, a empregos com carteira assinada e com maior investimento em políticas públicas tais como creche, que é um equipamento fundamental para possibilitar o acesso e a permanência das mulheres no mercado de trabalho.
As políticas sociais que impactam diretamente na vida das mulheres tiveram um imenso desenvolvimento nos governos Lula/Dilma. A presidenta foi reeleita, e as mulheres tiveram um papel fundamental nessa vitória. Porém, sabemos que a conjuntura nacional e internacional não será fácil e que teremos enormes desafios pela frente, quem somente serão superados com organização e luta, a começar pelo poder legislativo. O novo congresso eleito (câmara e senado) é muito mais conservador que o atual, tanto no que se refere aos direitos dos trabalhadores em geral, como das mulheres.
O governo Dilma representa a manutenção do compromisso com a manutenção do projeto democrático popular, porém para que haja as mudanças que o nosso país precisa, como por exemplo, a reforma política, será preciso um grande processo de mobilização e organização popular.
As mulheres provaram que tem organização e capacidade de mobilização para avançar em suas conquistas, um exemplo disso foi a aprovação da paridade para as direções estaduais e nacional da CUT, que iremos implementar no próximo período.
Como temos falado com insistência, para nós, a paridade não é apenas um número, é também um conjunto de políticas para avançar em direitos. E esse será nosso desafio em 2015: mobilização e organização para avançarmos em direitos para as mulheres, na vida, no trabalho e no movimento sindical.
*Rosane da Silva é secretária Nacional da Mulher Trabalhadora da CUT
[1] Comunicação Social IBGE, 31 de outubro de 2014, divulgado pelo informes da Conexão Sindical. Todas as informações constam do Sistema Nacional de Informações de Gênero (SNIG), que reúne dados dos Censos Demográficos 2000 e 2010, até o nível municipal, e é acessível no endereço http://www.ibge.gov. br/apps/snig/v1/
[2] Agência Brasil, publicada em 31 de outubro de 2014.
[3] O critério para definir a pessoa responsável pela família é de que seja aquela pessoa que era reconhecida como tal pelos demais membros da unidade doméstica.