Os entraves, lutas e experiências internacionais acerca de uma transição energética justa foram destaques no primeiro dia de debate do 3º Fórum Sindical Internacional por uma Transição Justa, Social e Ecológica, realizado no Parque Anhembi, em São Paulo. Consenso entre todos as lideranças internacionais, o conceito de transição justa passa obrigatoriamente pela defesa da vida, dos direitos e do emprego. A crítica principal que permeou os debates é sobre o modelo de transição em curso, capitaneada pelo capitalismo e que atende somente a interesses próprios.
Desta forma, a transição pensada pelos governos de países desenvolvidos e multinacionais está longe de ser um modelo, de fato, justo para a classe trabalhadora, segundo os sindicalistas.
O evento organizado pela CUT Brasil, Fundação Rosa Luxemburgo e as centrais sindicais KCTU, da Coreia do Sul e CGT, da França, além da Trade Unions For Energy Democracy – TUED é parte da programação do 14º Congresso Nacional da CUT (CONCUT).
O primeiro debate teve como tema “Do que falamos quando falamos de Transição Justa – visões cruzadas entre América Latina, África, Europa e Ásia”. Com lideranças de cada uma das regiões, o debate respondeu à pergunta do tema, justamente, com os conceitos de transição sob a ótica dos trabalhadores e das populações impactadas pela transição pretendida pelo capitalismo global.
Antes de lideranças compartilharem suas experiências, o representante da Fundação Rosa de Luxemburgo, uma das organizadoras do evento, Nessin, citou os impactos dos modelos corporativos de transição energética.
“As crises ambientais se acentuam cada dia e os impactos são cada vez mais fortes às populações mais vulneráveis, que são as pessoas que menos contribuíram para a crise”, disse.
Nessim também afirmou que o modelo de economia verde, como é debatida no fórum, é diferente de “outros modelos que deixam claros os interesses de multinacionais e governos do hemisfério norte que estão agravando a desigualdade dentro da sociedade”.
Regiões
Representantes de organizações de vários países participaram da primeira mesa de debates. Bem Lennon, da Confederação Europeia de Sindicatos (CES), afirmou que a União Europeia tem muitos desafios. Um deles gira em torno das metas fiscais dos países, que são seguidas à risca. “Sabemos que a transição justa exige muito mais gastos e há muitos países as regras fiscais são prioridade”, disse. Lennon exemplificou com uma ironia, segundo ele, dita na Europa sobre o tema, que diz “podemos destruir o planeta, mas atingiremos a meta.
O dirigente ainda afirmou que a CES quer uma transição justa e que os estados membros da União alcancem as metas definidas no Acordo de Paris. No entanto, ele ressalta, é preciso, fundamentalmente planejar o futuro do trabalho para preservar empregos.
“Temos planos, por exemplo, para usar carros elétricos, mas ninguém fala dos impactos para os trabalhadores. Usinas exigirão metade dos trabalhadores e não há um plano para a classe trabalhadora”.
Ele ainda citou que milhões de euros são enviados a acionistas de empresas, com seus lucros, no entanto, pouco ou nada é reservado à preservação do emprego, qualidade de vida e condições de trabalho dignas para os trabalhadores.
Africa
Oumar BA, representando o SATE, movimento sindical do Senegal, contou que na África, os principais problemas que envolvem a transição energética é ausência da criação de oportunidades de trabalho e reafirmou que o norte global, hemisfério mais desenvolvido e, portanto, essencialmente capitalista é o maior responsável pelas mudanças climáticas no mundo, que por sua vez, impactam diretamente o hemisfério sul.
“Essas mudanças afetam o clima, provocam secas, inundações, reduz a produção agrícola causando insegurança alimentar e, além disso, multinacionais vêm à Àfrica explorar nossos recursos, nossa mão de obra, destroem nosso meio ambiente e levam todas as riquezas aos seus países”, disse Omar.
Em contraposição, o sindicalista afirmou que os movimentos estão organizados em metas até o ano de 2030 que incluem o combate a pobreza, a produção de energia verde, o favorecimento da cooperação com diálogo social e proteção ao emprego.
Coreia do Sul
“Temos um governo que não está interessado em transição justa, mas os sindicatos estão mobilizados nesse processo para implementar uma transição energética com olhar para os trabalhadores”, afirmou, Son Jiseung, representante da KCTU, central sindical coreana.
Ele explicou que a sociedade civil também está mobilizada. “Embora não tenhamos conseguido uma lei para a transição justa, fizemos uma campanha em que recebemos o apoio da sociedade civil e fizemos acordo entre empregadores e trabalhadores para enfrentar a crise climática”, disse.
O dirigente ainda reforçou que “os trabalhadores têm que participar dos processos de transição energética em nível político nacional, regional e nos locais de trabalho para evitar a precarização do trabalho em todos os níveis”. E que o movimento sindical deve estar incluído em todos os processos decisórios para garantir que as transições sejam justas.
O papel da indústria
No debate “Transição Industrial e Capitalismo de Plataformas na Economia Verde”, Marino Vani, dirigente da IndustriAll, entidade que reúne entidades que representam trabalhadores nas indústrias de vários países, ressaltou que o mundo hoje não vive uma transição, mas sim uma imposição industrial.
“Se não houver um plano global e financiado, o custo da descarbonização será alto para os trabalhadores. Esse plano deve envolver trabalhadores, sociedade e comunidades impactadas”, disse.
A referência feita pelo dirigente diz respeito à transformação da indústria com base na transição energética, em especial nos países desenvolvidos, que tem gerado impactos negativos como o desemprego. Um exemplo claro é a adaptação da indústria automobilística para a produção de carros elétricos, que requer menos trabalhadores. A questão que fica é ‘como proteger os empregos’.
Ainda sobre o ‘custo’ da transição energética discutida pelo capital e que atende somente a interesses próprios, Vani explicou que essa conta não pode ser paga pelos mais pobres. “É preciso cobrar um fundo das transnacionais que exploram recursos e a mudança de matriz energética tem que ter contrapartida social”, pontou o dirigente.
Quintino Severo, secretário-adjunto de Relações Internacionais da CUT, fez uma exposição sobre as experiências e acúmulos da CUT no tema Transição Justa.
“Ao longo dos tempos, nossa ação gerou diversas demanda e estratégias para onde a transição deve ir. Pensamos e agimos para que seja um modelo de desenvolvimento sustentável, voltado à sociedade e não às empresas e que promova trabalho decente. Não pode ser uma transição com o sangue dos trabalhadores, que por precarização do trabalho não tem segurança”, disse o dirigente.
Capitalismo verde e direita global
Para além da constatação de que o capitalismo tem moldado uma transição em que os sistemas de exploração continuarão predatórios, a ascensão da extrema direita ao poder em vários países também é fator que impacta diretamente nas questões relativas à transição justa.
O Brasil é um exemplo clássico. O secretário de Relações Internacionais da CUT, Antônio Lisboa, citou os quatro anos de governo Bolsonaro em que não somente nada foi feito para barrar a devastação ambiental, como houve até incentivos a isso.
“Quando Bolsonaro assumiu vimos o que aconteceu na Amazônia, A diferença é que em outros governos havia queimadas, mas tinha ações governamentais para impedir. Com Bolsonaro foi o contrário. O próprio governo incentivou com argumento de que a devastação que levava ao desenvolvimento”.
Lisboa lembrou ainda que outro desafio que é não permitir que o Brasil seja apenas um produtor de commodites e o norte global detenha a tecnologia. A devastação da Amazônia, por exemplo, acontece para que haja plantio dessas commodities como a soja.
O primeiro dia de debates do Fórum ainda tratou dos problemas comuns aos países da América Latina, em que o modelo de transição proposto pelo capitalismo impacta em povos nativos, comunidades do campo e trabalhadores.
“Regionalmente temos base para sermos uma forte, para que haja uma estratégia com a participação sindical. A visão de desenvolvimento tem que contemplar a soberania energética, hídrica e alimentar e se não for assim, estaremos desarticulados” afirmou o dirigente sindical Moises B, da Colombia.
Fonte: CUT Nacional