O negociado sobre o legislado: destruir direitos e enfraquecer os sindicatos

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Marilane Teixeira*

Entre os temas que ganharam destaque na agenda dos empresários, nesse último período, dois projetos se sobressaem: o PL 4193/12 e o PL 4962/16, ambos tratando do negociado sobre o legislado. O negociado sobre o legislado tem sua origem no segundo mandato do governo FHC (1998-2002), período em que várias medidas provisórias e projetos de lei propunham a flexibilização dos direitos dos trabalhadores com a justificativa de serem medidas essenciais para a geração de emprego.

Seguindo essa premissa, em 2001 o Executivo enviou ao Congresso o projeto de lei 5.483/01 que instituía a prevalência do negociado sobre o legislado. Em prazo recorde de 60 dias o projeto tramitou pelas Comissões do Parlamento. Aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados, seguiu para o Senado, onde recebeu o número PLC 134/2001. Diferentemente da Câmara, no Senado a tramitação foi lenta. Em face da proximidade das eleições e da reação do movimento sindical e entidades de representação do mundo do trabalho, o regime de urgência perdeu fôlego, sem chances de ser votado ainda em 2002. Em 2003, já no governo de Lula, foi enviado ao Congresso a Mensagem n. 78/03 requerendo a retirada desse projeto, posteriormente arquivado.

Em 2012, essa proposta foi retomada por meio do PL 4193/12. Um segundo projeto foi apresentado em 2016, o PL 4962/16, alterando a redação do artigo 618 da CLT para introduzir a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo a proposta “as condições de trabalho ajustadas mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho prevalecem sobre o disposto em lei, desde que não contrariem a Constituição Federal e as normas de medicina e segurança do trabalho”. Tudo sugere que será apensado ao 4193/12, hoje na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, CTASP.

A sociedade brasileira e os trabalhadores conquistaram uma legislação trabalhista considerada das mais modernas e avançadas do mundo, o direito do trabalho se inscreve entre os direitos fundamentais de mulheres e homens e ninguém pode dispor sob pena de privá-los de um direito já assegurado. Princípios como a regra da condição mais favorável, fundamenta o direito do trabalho e, nesse sentido, os Acordos ou Convenções Coletivas podem e devem ampliar o leque de proteção social, mas jamais retroceder em relação aos direitos já conquistados.

Apesar do projeto em questão ressaltar que as Convenções ou os Acordos Coletivos não podem ferir os direitos constitucionais, nem as normas de segurança do trabalho, iludem-se os que veem essa referência como sendo uma garantia aos trabalhadores. Primeiramente, porque os direitos dos trabalhadores estão, em grande parte, disciplinados na legislação ordinária, infraconstitucional, não referida na exceção do projeto. Além disso, há entendimento, mesmo que não uníssono, de que tais garantias constitucionais, por serem genéricas, demandam regulamentação específica. Se o projeto for aprovado teremos parcelamento de férias, redução do valor de depósito do FGTS, redução dos adicionais, redução das horas extras, flexibilização da jornada, entre outros.

As pressões pela flexibilização se intensificaram com parte da estratégia de inserção da economia brasileira no mercado internacional, busca-se, com isso, ampliar a competividade e a eficiência através de métodos espúrios como a redução ou retirada de direitos. É fundamental para o capital dispor da força de trabalho em tempo integral ajustando jornada, férias, salários, benefícios de acordo com as suas necessidades e os direitos consagrados pela nossa legislação trabalhista são um entrave ao capital.

Diferentemente do propalado pelos setores empresariais, não há nenhuma possibilidade de que as Negociações Coletivas se fortaleçam com a aprovação do “negociado sobre o legislado”. No Brasil, ampla legislação regula as relações de trabalho, protegendo os trabalhadores com a garantia de direitos mínimos expressos na CLT e na Constituição de 1988. Os Acordos ou as Convenções Coletivas historicamente têm como objetivo elevar os patamares civilizatórios mínimos expressos na lei, ampliando a tela de proteção social, fortalecendo o instituto da negociação, a representação sindical e os próprios trabalhadores. A possibilidade de renúncia a direitos pela via da flexibilização que a supremacia do negociado sobre o legislado pode significar, ao contrário do apregoado pelos defensores da ideia, fragmenta a organização dos trabalhadores e a própria luta sindical. No limite, poderá haver Acordos por empresa em um contexto em que as práticas antissindicais, perseguição a dirigentes sindicais e desrespeito à organização sindical é uma realidade ainda presente no Brasil.

O projeto serve a claros propósitos: reduzir os trabalhadores a um contingente de baixa remuneração, disponíveis ao capital com jornadas flexíveis, remuneração instável e com direitos reduzidos, romper os laços de solidariedade e o sentimento de pertencimento de classe, pulverizar a ação sindical com uma multiplicidade de instrumentos normativos que, no limite, poderão ser ajustados por empresa.

*Marilane Teixeira é economista do CESIT/UNICAMP

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