Construção da Avenida Liberdade isola e prejudica fatias de floresta conservada em Belém

0

*Por Leandro Valle Ferreira

A Região Metropolitana de Belém no estado do Pará possui poucas unidades de conservação estaduais, dos quais as mais importantes são Parque Estadual do Utinga (PEUT) e a Área de Proteção Ambiental Estadual de Belém (APAB), que se conectam.

Para conhecer a flora dessas unidades de conservação, desde 2018, é realizado o projeto de pesquisa “Flora do Utinga”, cujo objetivo é catalogar e classificar as espécies de plantas e fungos dos principais tipos de vegetações do PEUT e da APAB. Até 2023, este projeto já catalogou mais de 800 espécies de plantas e fungos, demonstrando que essas unidades de conservação possuem grande riqueza de espécies, apesar de serem localizadas em regiões urbanas.

No entanto, esse importante contínuo de patrimônio natural, que traz uma série de benefícios (ambiental, ecológico, turístico) para os moradores da área metropolitana, convive com uma possível ameaça: a construção da “Avenida Liberdade”, uma rodovia projetada para melhorar o fluxo de veículos e ser uma alternativa para entrada e saída da cidade de Belém, ligando a capital à Alça Viária, no município de Marituba.

O traçado da solução, porém, atravessa justamente a Área de Proteção Ambiental Estadual de Belém e irá isolar definitivamente o Parque do Utinga. Isso é preocupante, pois, do ponto de vista ecológico, o PEUT e a APAB são considerados os últimos fragmentos de vegetação originais onde ainda existem informações biológicas necessárias para a restauração da paisagem fragmentada e a conservação de ecossistemas ameaçados da Região Metropolitana de Belém.

Nesse cenário, a Área de Proteção seria dividida pela “Avenida Liberdade”, transformando-se em dois fragmentos de vegetais isolados pela via. Por sua vez, o Parque do Utinga ficará totalmente isolado, tendo a Avenida João Paulo II ao norte e a “Avenida Liberdade” ao sul.

Quando um fragmento florestal é isolado ocorrem grandes modificações microclimáticas da borda do fragmento, sendo este fenômeno conhecido como “Efeito de borda”. Diversos estudos têm demonstrado que os efeitos de borda elevam a mortalidade e danos à vegetação devido às mudanças microclimáticas, tais como, aumento da velocidade do vento, diminuição da umidade do solo e do ar e aumento da temperatura, entre outras.

O isolamento dos fragmentos florestais altera também o fluxo gênico da biota e, portanto, a sustentabilidade de populações naturais em longo prazo que ficarão isoladas nos fragmentos. Isto pode resultar na perda de espécies devido ao isolamento dessas populações, provocando a extinção local mais rápida e ao mesmo tempo dificultar a colonização em razão da alta resistência à dispersão de indivíduos entre os fragmentos florestais.

Dessa forma, observa-se que a construção dessa rodovia causará profundos impactos ambientais às unidades de conservação da Região Metropolitana de Belém. Manteremos a repetição de erros históricos de resolução de um problema em detrimento da qualidade ambiental?

Entre melhorar o fluxo de trânsito e conservar a biodiversidade, deveríamos privilegiar a segunda, pois existem alternativas para construir novas avenidas, mas não existe remediação para a perda irreversível da biodiversidade.

*Leandro Valle Ferreira é doutor em Ciências Biológicas; Pesquisador Titular da Coordenação de Botânica do Museu Paraense Emílio Goeldi.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

 

Fonte: Brasil de Fato

Comments are closed.