Vanessa Ribeiro, Lucilene Freitas e Rosa Negra*
Aprendemos com Angela Davis que “quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela” e com Lélia Gonzalez que nosso lema deve ser: organização já. Aprendemos isso em uma sociedade em que as mulheres negras estão na base da pirâmide social, pois são atingidas com os piores índices de direitos básicos como acesso à educação, mercado de trabalho, terra, moradia e saúde.
Isso porque as intersecções de gênero, raça e classe estruturam o capitalismo e são elementos centrais para compreender a permanência da violência sistêmica que afeta mulheres negras nos diversos espaços da vida, na casa, no trabalho, na política, na economia. Além disso, segue matando a juventude negra, homens negros, encarcerando em masa do povo preto, impondo preconceito, impedindo o acesso e permanência a terra e o não reconhecimento da prática religiosa.
Nesse aspecto, é importante demarcar os espaços de lutas e resistência construídos pelas nossas ancestrais, trazendo a memória de Luiza Mahin, Dandara, Mariele Franco, e tantas outras que iniciaram no processo da luta. Por elas e por afirmar que enfrentar o racismo e o sexismo vivenciado ainda hoje é condição para enfrentar as mazelas da fome, da misoginia, da violência e para pensar uma sociedade menos desigual, baseada em relações sociais de igualdade.
Na luta pela terra, o racismo e o sexismo se expressa principalmente na propriedade, onde as maiores áreas são pertencentes a homens brancos, fruto de um processo de colonização excludente baseado na escravização e superexploração da mão de obra negra e dos bens da natureza.
Porém, a resistência a esse modelo também é protagonizada pelas mulheres negras, desde o Brasil colônia e escravista, a resistência atual dos povos e comunidades tradicionais, onde as lideranças de mulheres negras são centrais para a organização da luta a partir do cotidiano, do cuidado com a natureza e com as pessoas. Expressa também na luta pela Reforma Agrária uma vez que as mulheres negras, ao formar a base da pirâmide social, também protagonizam a luta pelo acesso à terra, por alimentos saudáveis e por vida digna que a reforma agrária popular pode possibilitar.
“O que impulsiona essa luta é a crença na possibilidade de construção de um modelo civilizatório humano, fraterno e solidário, tendo como base os valores expressos pela luta antirracista, feminista e ecológica, assumidos pelas mulheres negras de todos os continentes, pertencentes que somos à mesma comunidade de destinos. Pela construção de uma sociedade multirracial e pluricultural, onde a diferença seja vivida como equivalência e não mais como inferioridade.” (CARNEIRO, 2003, p.05)
É nesse sentido que demarcar a data de 25 de julho como um momento de luta e celebração é importante para nós do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), pois, nesse dia celebra-se o dia da mulher negra latino-americana e caribenha, que visa denunciar o racismo e o sexismo que impacta a vida das mulheres afrodescentes, mas, também para visibilizar os processos de lutas e resistência construída historicamente e na atualidade.
O 25 de julho tem se fortalecido e entrado para o calendário de lutas no Brasil. Essa data é fruto de muita luta, resistência e organização de mulheres negras da América Latina e Caribe que há 33 anos, seguindo as lições de nossas ancestrais, se reuniram no 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas para a discussão de temas e de estratégias de luta em proporções transnacionais.
No Brasil a data foi reconhecida em 2014, quando também se instituiu o Dia de Teresa de Benguela como reconhecimento da história da liderança negra que comandou política e militarmente o Quilombo do Quariterê, resistindo por mais de 20 anos aos avanços das forças militares, Benguela inovou nos processos de organização e defesa do quilombo tornando-se uma referência na luta contra a escravização das pessoas negras e indígenas. Mas, séculos após a luta de Tereza de Benguela, retrocessos e falta de efetivação de políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade ameaçam, de maneira mais acentuada, a vida de mulheres negras e indígenas.
Luta e resistência se fazem com festa e enfrentamentos. Assim, mulheres negras seguem em marcha nas ruas, nas ocupações, enfrentando o latifúndio da terra, do saber, gerando vida e reivindicando que no Brasil não é possível falar em democracia sem reparação e bem viver. O dia 25 de julho é dia de luta, em que as mulheres se juntam para denunciar todo tipo de desigualdade, injustiça e violência que vivenciam todos os dias. Além disso, também é dia de rememorar a luta das mulheres negras latino-americanas e caribenhas por uma sociedade mais justa e solidária.
Nesse julho reafirmamos nosso compromisso de seguir a luta iniciada pelas nossas ancestrais, em defesa da vida, da democracia – Lutaremos! Por nossos corpos e territórios nenhuma a menos. Luta pela transformação das relações sociais baseadas na opressão e na exploração e na construção de relações humanas emancipadas. Lutaremos – por nossos corpos e territórios, nenhuma a menos.
*Ambas são militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integram o Setor de Gênero e o Coletivo sobre Questão Étnico-racial e a Questão Agrária no Movimento.
Fonte: Brasil de Fato