* Por João Victor Chaves
Desde a ascensão do governo Temer, ganhou força no Brasil a discussão acerca da flexibilização das normas trabalhistas. A promulgação da lei 13.467/2017 representou o ápice do movimento liberal que galvanizou Temer e Bolsonaro.
Entretanto, não foi apenas no âmbito do Poder Executivo a mobilização para flexibilização da legislação. O Congresso Nacional está repleto de parlamentares alinhados à cartilha liberal, entre ruralistas, evangélicos e outros que, por interesse próprio ou de terceiros, perfilam entre os defensores de maior permissividade.
No Poder Judiciário não é diferente. O Supremo Tribunal Federal atualmente é composto por uma maioria de ministros de perfil liberal, como Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Luiz Fux e outros. Existe, portanto, uma tendência de ratificação, pela Suprema Corte, das posições outrora adotadas pelas políticas econômicas de Henrique Meirelles e Paulo Guedes.
Recentemente, a Corte endossou o entendimento de que entregadores não possuem vínculo de emprego junto às plataformas, pela falta de “subordinação”, requisito essencial para reconhecimento da condição de empregado. Sendo assim, ainda que a empresa tenha o poder de estabelecer regras de bloqueio de pagamentos e do acesso à plataforma, estes fatores não foram considerados suficientes para reconhecer que o empregador efetivamente estabelece um método de trabalho.
Seguindo o mesmo raciocínio, o Tribunal tem cassado decisões da Justiça do Trabalho que reconheceram fraude nas denominadas pejotizações, em que o trabalhador constitui uma empresa para emissão de notas fiscais, mas é submetido a uma rotina de trabalho, com horário fixo, respondendo a um superior hierárquico e, tendo como “cliente” uma única empresa.
Nestes casos, o artigo 9º, da CLT, admite a nulidade dos atos que tenham por objetivo o desvirtuamento da aplicação dos direitos consolidados. Não são, portanto, incomuns as hipóteses de fraude, seja por distorções deliberadamente praticadas pelos empregadores, ou pela grande informalidade presente em nosso mercado de trabalho.
Não se ignora, contudo, a existência de modalidades lícitas de contratação de mão-de-obra por meio do direito civil. No entanto, o próprio código civil, em seu artigo 593, é expresso ao tratar como excepcional esta forma de prestação de serviços.
Desse modo, o STF promove grave insegurança jurídica e cassa decisões de mérito da Justiça do Trabalho que reconheceram fraude trabalhista, mesmo quando presentes os requisitos legais de vínculo empregatício. As preferências ideológicas dos ministros, na prática, têm ignorado o disposto nos artigos 3º e 9º, da CLT, e sucateado a proteção jurídica do trabalho.
Como justificativa, a Corte alega que o Tema 725 da Repercussão geral foi pacificado pelo Recurso Extraordinário 958.252, de relatoria do ministro Fux, que autorizou a possibilidade de “organização de divisão do trabalho não só pela terceirização, mas de outras formas desenvolvidas por agentes econômicos”.
Da mesma forma, em decisão recente e unânime, a Corte reconheceu também a Repercussão Geral do recurso extraordinário 1.446.336, de relatoria do ministro Edson Fachin, interposto pela Uber contra acórdão que admitiu o vínculo empregatício de motorista. O julgamento ainda não tem data para ocorrer, e deve firmar o posicionamento da Corte acerca do tema.
Diante da relevância e sensibilidade do assunto, espera-se pelo amadurecimento do debate, a fim de que o Supremo Tribunal Federal esteja municiado de melhores dados e argumentos quando proferir nova decisão de enorme impacto sobre o mercado de trabalho.
* João Victor Chaves é advogado trabalhista e membro fundador da Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos (FADDH)
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Fonte: Brasil de Fato