Modelo baseado só em corte de custos precisa ser revisto, dizem especialistas

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Lúcio Douglas Pimentel, de 39 anos, está extenuado. Gerente-geral de uma agência de um dos maiores bancos privados brasileiros em uma cidade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, o bancário passou a recorrer a antidepressivos um ano após receber a promoção que o levou ao comando de uma equipe de quase 50 pessoas.

“A pressão é excessiva, tanto sobre mim quanto sobre meus subordinados”, diz ele, que, ultimamente, tem tomado ansiolíticos para conseguir dormir nos dias mais de maior estresse. “As metas estão cada vez mais agressivas e cada vez mais difíceis de ser batidas”, afirma. “E como os bancos estão enxugando cada vez mais, todo mundo tem medo ou de perder o emprego ou de perder os cargos de chefia, como é o meu caso.”

Lúcio não se chama Lúcio. Na verdade, inventou um pseudônimo por medo de represálias do banco onde trabalha há quase duas décadas e de onde, acredita ele, terá de sair em breve se não houver uma redução nas exigências por desempenho. “Não estou aguentando mais”, diz. “Nem eu e nem minha mulher, que também é bancária.”

A realidade do casal carioca deixou de ser exceção há um bom tempo entre trabalhadores de nível médio e alto de chefia nas principais empresas brasileiras. Após a onda de processos de redução de pessoal que varreu a economia mundial a partir dos anos 80 com os pomposos nomes de reengenharia, “downsizing” ou ajustes de competitividade, a vida dos trabalhadores responsáveis por colocar em prática as determinações dos acionistas ficou cada vez mais difícil.

“Rompeu-se o equilíbrio entre resultados e o tratamento adequado às pessoas”, diz o consultor trabalhista José Emídio Teixeira, sócio-diretor da consultoria Dialogar. “Vivemos a era do fazer com menos a qualquer preço.”

No Brasil esse processo teve início a partir dos anos 90. Com a abertura do mercado e a chegada dos importados, as companhias nacionais precisaram fazer reduções drásticas de custos para compensar a ineficiência de décadas de proteção estatal. Aliado a isso, surgiu mundialmente a febre da reengenharia, que pregava a redução de custos ao máximo como panaceia para todos os males. “Nos últimos 20 anos a indústria reduziu 50% do efetivo, houve uma clara piora na condição das relações de trabalho”, diz Emídio.

Na opinião dele e de outros analistas das relações de trabalho no país, a recente onda de protestos que tomou conta das ruas brasileiras levou o tema para dentro das companhias. “Está todo mundo falando sobre isso neste momento, em como evitar que as coisas cheguem a esse ponto”, diz o diretor da Escola de Marketing Industrial e professor da Fundação Getúlio Vargas, José Carlos Moreira. “O fato é que esticaram demais a corda, as pessoas não aguentam mais”, afirma. “Entraram em um ciclo danoso, em que se valoriza produzir cada vez mais com cada vez menos”, diz o professor, um crítico do modelo atual.

O reflexo de trabalhadores tão cansados não está apenas na qualidade de vida dos funcionários das empresas, afirmam os especialistas. Eles podem ser vistos também, dizem, na qualidade dos produtos que saem das fábricas. “O número de recalls tem crescido de forma exponencial nos últimos anos e isso, é obvio, é resultado desse modelo”, diz Moreira.

Dados do Procon de São Paulo mostram que o volume de recalls na indústria explodiu nos últimos dez anos: 3.500%. Enquanto em 2002 o Procon registrou a necessidade de troca ou devolução de 1,4 milhão de itens, no ano passado esse número chegou a 46 milhões.

Tanto Moreira como Emídio acreditam que o modelo de mais com menos está fadado a desaparecer a médio prazo. Para eles, a tendência é de as empresas começarem a rever suas estratégias. “A grande crise não é de retenção, é de engajamento”, diz Emídio.

Fonte: Valor Econômico

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