Os assassinatos no campo dobraram no Brasil em 2025, em relação ao ano anterior. Até a data da publicação desta reportagem, 26 pessoas haviam sido assassinadas em conflitos agrários no país. Em 2024, foram 13 casos – o menor número da última década – segundo dados parciais da Comissão Pastoral da Terra (CPT).
No entanto, o ano passado bateu recorde de conflitos agrários no período de dez anos, o que ressalta o caráter sistêmico da violência no campo no Brasil. Nesse cenário, as mortes e outros tipos de violência não devem ser analisadas como casos isolados, mas resultado de um modelo de desenvolvimento baseado no monocultivo, na exploração das terras e na retirada de direitos dos povos do campo, conforme alerta o historiador Carlos Lima, que acompanha histórias de violência no campo no Brasil desde 1993.
Para ele, as incessantes disputas territoriais escancaram a ausência de políticas efetivas para a distribuição de terras e garantias de direitos aos povos tradicionais no país. “Nós não fizemos a reforma agrária, não reconhecemos e não titulamos as terras dos povos originários, das comunidades quilombolas. Então, tem um processo histórico que o Estado brasileiro não consegue resolver”, diz o historiador, que integra a coordenação nacional da CPT. “E, por outro lado, tem o agronegócio, o capital, que vai para cima dessas comunidades, que vai rompendo essas fronteiras e vai tensionando e criando os processos violentos.”
Vaqueiro pego em emboscada
Não por acaso, os casos de violência se concentram em áreas de avanço de atividades como a pecuária e as monoculturas de soja, algodão e outros produtos cultivados em larga escala.
No caso mais recente, o vaqueiro Marcos Antônio Pereira da Cruz, de 38 anos, foi pego em uma emboscada na zona rural do município de São Félix do Xingu, no sul do Pará, no dia 15 de dezembro.
Ele prestava serviços para o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), na operação de retirada dos invasores da Terra Indigena (TI) Apyterewa, um processo longo e marcado por violência.
Com vasta extensão territorial – o tamanho aproximado da Áustria – São Félix do Xingu serve de pastagem para o maior rebanho bovino do país. São mais de 2,5 milhões de cabeças de gado, sendo que parte delas está em área irregular como nas terras onde habitam os indígenas Parakanã. A TI Apyterewa é também umas das terras indígenas mais desmatada do Brasil.
O vaqueiro trabalhava na retirada dos animais dos invasores quando foi atingido por um tiro à queima roupa. Cruz chegou a ser socorrido por um helicóptero, mas não resistiu. Em maio deste ano, dois indígenas foram alvo de pistoleiros na mesma área. Um deles levou um tiro de raspão na perna, o outro conseguiu fugir sem ser ferido.
Junto de Rondônia, o Pará é o estado com o maior número de assassinatos. Em 2025, foram sete casos em cada um desses estados.
Na Bahia, foram quatro assassinatos, sendo todas as vítimas são indígenas. No Paraná, outros dois indígenas foram assassinados em 2025. No estado de São Paulo, as vítimas são dois agricultores do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), assassinados por grileiros no assentamento Olga Benário.
Dois posseiros foram assassinados nas cidades amazonenses de Boca do Acre e Lábrea, na região da Amacro, a fronteira agrícola que se estende entre os estados do Amazonas, Acre e Rondônia, onde há concentração de conflitos no campo. No Mato Grosso do Sul, a vítima foi um indígena e em Minas Gerais, um assentado.
Apesar do aumento no número de assassinatos, 2025 ainda teve menos mortes violentas no campo do que anos em anos recentes, como 2021, 2022 e 2023, quando foram registrados 35, 47 e 31 casos, respectivamente.
Lima ressalta o fortalecimento das milícias rurais como elemento de aumento desse tipo de violência. “No final do governo Bolsonaro, início do governo Lula, se criou um grupo denominado Invasão Zero, que além de ter força política, porque tem diversos parlamentares envolvidos, também parece ter força de polícia, de estado mesmo”, diz.
O grupo é investigado por envolvimento no assassinato da indígena Maria Fátima Muniz de Andrade, conhecida como Nega Pataxó, assassinada no início de 2024 na região sul da Bahia.
Sem-terra são principais vítimas
Entre as vítimas dos assassinatos em 2025, destacam-se os sem-terras, indígenas e posseiros, com dez, sete e quatro casos, respectivamente. Esses grupos estão na linha de frente das disputas por terras no Brasil, lutando pela demarcação dos territórios tradicionais e pela manutenção de um modo de vida contrário à lógica da expansão das monoculturas.
Na classificação da CPT, os sem-terras são aqueles que vivem em acampamentos e áreas em disputa. “É aquele que está em processo de luta pela reforma agrária. Normalmente, estão lutando por um imóvel que não cumpre a sua função social. Podem estar dentro desse imóvel, acampado dentro da própria fazenda ou pode estar à margem de uma BR, por conta de já ter sofrido um despejo”, diz Lima.
Já os posseiros habitam e cultivam terras que, muitas vezes, foram repassadas pelos familiares. “Foi do avô, foi do pai e ele continua ali, mas não tem a segurança jurídica. Ele tem a posse, mas ele não é o proprietário”, explica o historiador. A posse da terra pode ser comprovada pelo uso que a pessoa faz da área, enquanto a propriedade é garantida pela documentação de compra e venda.
Por fim, os indígenas em diferentes territórios do Brasil são alvo histórico da violência. Dos sete assassinados em 2025, quatro morreram na Bahia, dois no Paraná e um no Mato Grosso do Sul, em áreas de conflitos com ruralistas e grileiros.
Outra categoria presente na classificação da pastoral, os aliados são aqueles que não necessariamente trabalham no campo, mas prestam algum tipo de serviço para essas populações.
Os dados dos assassinatos no campo em 2025 são parciais. Segundo a CPT, há outros casos em análise que podem vir a integrar o relatório final da violência no campo, a ser publicado em 2026.
Fonte: Brasil de Fato