Para secretária da CUT, a entidade sempre defendeu que não só famílias e Estado, mas também as big techs, que lucram com engajamento, assumam suas responsabilidades.
A Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (20) o Projeto de Lei 2.628/22, que cria regras específicas para proteger crianças e adolescentes no ambiente digital. A proposta, apelidada de ECA Digital em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, prevê, entre outras coisas, que as plataformas online adotem mecanismos de bloqueio a conteúdos inadequados e estabeleçam normas de acesso para esse público.
A votação ocorreu em plenário com a presença de 465 dos 513 parlamentares e concluída de forma simbólica — sem registro nominal de votos.
Resistência e mudanças no texto
Inicialmente, a proposta enfrentou resistência de deputados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, que alegavam risco de censura às redes sociais. O impasse foi superado após ajustes aprovados de última hora. Uma das principais mudanças limitou a possibilidade de retirada de conteúdos a partir de notificações. Antes, qualquer usuário poderia solicitar a exclusão de postagens; agora, apenas vítimas, responsáveis legais, Ministério Público ou entidades representativas terão esse direito.
Para a secretária de comunicação da CUT, Maria Faria, “a CUT sempre defendeu que a responsabilidade não recaísse apenas sobre as famílias ou sobre o Estado, mas também sobre as grandes empresas de tecnologia, que lucram com o engajamento e precisavam ser chamadas à responsabilidade”.
Pressão política e urgência na votação
O projeto foi apresentado em 2022 pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) e aprovado no Senado em 2023. Na Câmara, a tramitação acelerou após a repercussão do vídeo do influenciador Felca, que denunciou a exploração e a sexualização de crianças nas redes sociais.
Na terça-feira (19), sob protestos da bancada bolsonarista, a Câmara aprovou em votação relâmpago o requerimento de urgência, permitindo levar o texto diretamente ao plenário. A decisão, conduzida por Hugo Motta em poucos segundos, foi simbólica e impediu a votação nominal, o que levou opositores a acusarem a presidência da Casa de “covardia” e “tratoraço”.
O que prevê a proposta
Apelidado de “ECA Digital”, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, o projeto impõe às plataformas o chamado dever de cuidado — princípio jurídico que obriga a adoção de medidas para prevenir riscos e responsabiliza em caso de omissão.
As empresas deverão implementar mecanismos capazes de limitar ou mitigar o acesso de menores a conteúdos relacionados a:
- exploração e abuso sexual;
- violência, bullying virtual e assédio;
- incentivo à automutilação e transtornos mentais;
- jogos de azar, tabaco, álcool e drogas;
- publicidade enganosa.
Entre as obrigações, estão:
- ferramentas de controle parental com configuração padrão;
- retirada imediata de conteúdos ilegais de abuso sexual infantil, mediante notificação, mesmo sem ordem judicial;
- verificação robusta de idade em sites pornográficos;
- proibição de perfis comportamentais de menores para publicidade;
- bloqueio de venda de “loot boxes” em jogos eletrônicos voltados ao público infantil;
- vinculação obrigatória de perfis de adolescentes às contas de seus responsáveis.
As medidas também abrangem restrições a recursos de geolocalização, tempo de uso, comunicação com desconhecidos e funcionamento de sistemas de inteligência artificial que não sejam essenciais ao serviço.
Penalidades
O descumprimento poderá gerar advertência, multa de até R$ 50 milhões por infração — ou 10% do faturamento da empresa —, suspensão temporária de atividades ou até a proibição definitiva de funcionamento no Brasil. Os valores arrecadados irão para o Fundo Nacional da Criança e do Adolescente.
A importância do projeto
O “ECA Digital”, nasce em meio a um impasse crescente: como proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais sem sufocar a liberdade de expressão, a inovação tecnológica e a própria lógica de funcionamento das plataformas?
O texto parte de um consenso — a internet tornou-se espaço central da vida social e, ao mesmo tempo, uma arena de riscos. Casos de abuso sexual, cyberbullying, estímulo à automutilação e exposição precoce a jogos de azar e drogas não são mais pontuais, mas fenômenos recorrentes que afetam milhares de jovens. Ao estabelecer o “dever de cuidado”, o projeto pressiona as empresas de tecnologia a assumir responsabilidades que até agora eram difusas ou limitadas por regras de autorregulação.
A proposta tem méritos claros. A exigência de controles parentais automáticos, a retirada imediata de material de exploração sexual infantil e a proibição de perfis publicitários baseados em menores preenchem lacunas graves de proteção. Medidas como o bloqueio de “loot boxes” também respondem a um debate global sobre práticas de jogos eletrônicos que se aproximam de apostas.
O “ECA Digital”, portanto, traz avanços inegáveis na tentativa de reduzir vulnerabilidades no ambiente online, mas coloca em pauta dilemas típicos da era digital: até onde vai a responsabilidade das plataformas, onde começa a obrigação do Estado e qual o papel das famílias no acompanhamento da vida virtual de seus filhos.
Estratégia do governo
O Planalto também pretende enviar ao Congresso uma proposta própria, elaborada pelo Ministério da Justiça, que prevê idade mínima de 12 anos para acesso às redes sociais e vinculação obrigatória das contas de adolescentes de até 16 anos aos responsáveis. A ideia é aproveitar a mobilização em torno do “PL da adultização” para apresentar uma regulamentação mais ampla sobre o ambiente digital
Fonte: CUT Brasil