Cidades, enchentes, emergência e caos: como resolver?

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*Escrito por Ângelo Marcos Arruda, presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA)  
 
O Brasil assiste, mais uma vez, atônito, os desastres provocados por intensas chuvas ocorridas nos Estados de Alagoas e Pernambuco. E chora a morte de tanta gente e o desabrigo de milhares de brasileiros, em sua grande maioria, pobres do Nordeste. As cenas que vimos nos jornais e na televisão são chocantes. Em 5 anos, podemos relembrar dos desastres em Santa Catarina, em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, etc todos provocando grandes danos materiais e perdas de vidas humanas. Todos eles deixam rastro de destruição e dor nas pessoas, nas famílias e no povo brasileiro. Essa semana a grande imprensa noticiou que as vítimas das chuvas aumentaram de 1,3 para mais de 3 milhões e o total de municípios afetados subiu de 176 para 620 em 5 anos. É muita coisa. Ainda mais quando tomamos conhecimento que ainda existem famílias morando em locais precários, um ano depois de terem sido vítimas de enchentes ou deslizamentos de terra. No calor das discussões para minimizar os problemas, sempre surgem idéias, palpites e meios de como atuar; no calor das perdas que se contabilizam, o Estado perplexo, fica imobilizado e somente consegue aliados para campanhas visando arrecadar roupas, comida e outras formas de sustentar as famílias desabrigadas. Entretanto, passada a tempestade, quando tudo volta à calmaria, o Estado tende a desaparecer, a imprensa deixa de noticiar e as famílias continuam por lá, em galpões, ginásios esportivos, salas de aula de escolas públicas, igrejas, enfim, tudo menos numa casa. E é sobre esse tema que coloco a discussão.  
 
O edifício para moradia familiar, diferente de um alimento ou roupa ou um colchão, não se encontra nas prateleiras para ser consumido. Ou ele existe ( imóvel vazio ou em construção final) ou ele tem de ser construído e como ainda não inventaram a “casa na prateleira de supermercado” para ser consumida, imediatamente e com rapidez, a humanidade e os gestores públicos, ainda não se deram conta que esse assunto precisa ser discutido.
 
Se formos pesquisar o tema na rede Web, procurando “habitação de emergência ou habitação para emergência”, vamos encontrar idéias e propostas interessantes, como a que usa containers de navios, que se encontram sem utilização nos diversos portos do mundo e que podem, com readequações, serem utilizados para cumprir determinada finalidade. Ou uma proposta da Prefeitura de Porto Alegre que cede para as famílias desabrigadas, barracos em madeirit de obras, montáveis, com pouco mais de 20 m2 para atender a urgência. Existem idéias de cápsulas metálicas, de trabalhos de conclusão de curso de graduação com painéis montáveis e desmontáveis; casas em aço revestidas de placas com enchimento de lã de rocha, etc.  
 
Todas essas idéias tem um problema em comum: levam um tempo para ficarem pronta, algo em torno de duas a 3 semanas e nesse intervalo de tempo, as famílias sofrem ao se abrigarem em locais coletivos, sem higiene, conforto, salubridade e acima de tudo, dignidade. As perdas materiais somadas às perdas de vidas humanas dessas pessoas, quando colocadas em abrigos provisórios, vivendo de doações, dependendo do Estado e da sociedade, no calor da emergência,  são dolorosas e devem ser melhor examinadas por todos que tem condições e capacidade de gestão.  
 
Nós arquitetos e urbanistas brasileiros, temos contribuído pouco com essa discussão. Há uma tendência mundial desse assunto ficar com as Organizações Não Governamentais, onde o Estado é parceiro e com isso, o socorro, quando chega, como no caso do Haiti, vem sempre lento e desprovido de uma política pública de planejamento e de habitação. Sendo assim o quadro, precisamos contribuir com idéias e discussões sobre o assunto, afinal somos os profissionais que pensam a cidade e o edifício.
 
Mas, a meu ver, esse assunto tem de ser tratado como política pública pois ele é recorrente e crescente em diversos locais do país, alguns todo ano e outros que surgem num ano e reaperecem anos depois.  
 
Pensar uma política pública que possa planejar como resolver os pós-desastres e ao mesmo tempo, dialogar com a política urbana para pensar o possível desastre em função das características do assentamento urbano. Claro que uma família sem condições de abrigo quando recorre morar na beira de um rio ou de um córrego, ele será alvo, um dia, se houver previsão de que, naquele local onde ela habita, o rio possa subir seu nível em função de um gráfico de chuvas de 30 anos, que todas as cidades brasileiras dispõem.  
 
Sendo assim, assumir uma discussão nacional sobre o assunto, que paute a ação do planejamento urbano dos municípios, as soluções mais rápidas para a moradia, o papel e as condições de uma Defesa Civil bem diferente da que temos atualmente, do planejamento das ações para socorro das famílias e de uma ação eficaz que controle os locais de risco nas cidades e no campo, certamente, daqui há uns 50 anos, as manchetes nos jornais em período de chuvas, podem ser outras, assim: “Em  função do planejamento das ações do governo, esse ano não tivemos famílias desabrigadas com as chuvas em todo o país” Dá pra sonhar com isso?
Dá sim e queremos participar da construção dessa política nacional. Em 24 e 25 de novembro, da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas vai promover em Florianópolis, um Seminário Internacional, para discutir o assunto e colaborar com propostas. Para nós, arquitetos e urbanistas, esse assunto merece ser colocado no centro de uma discussão que amplie a visão do socorro às vítimas e atue com a visão de planejamento de uma emergência e, para tanto, colocar na mesma mesa os atores de todo o processo, como forma democrática de dar espaço para o debate.
 
Fonte: CUT

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