Por que clientes e trabalhadores dos bancos são excluídos dos ganhos da tecnologia?

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*Por Ivone Silva 

O PIB brasileiro apresentou queda de 0,2% no primeiro trimestre de 2019 e tudo leva a crer que teremos mais um ano de desempenho pífio da economia. O número de pessoas desocupadas passa de 13 milhões e o número de pessoas subutilizadas está próximo de 28 milhões. Apesar do cenário tenebroso na economia nacional, os lucros dos maiores bancos atuantes no país seguem em crescimento e batem recordes bilionários.

O lucro líquido das cinco maiores instituições financeiras do país chegou a R$ 85,9 bilhões em 2018, com crescimento de mais de 16%. A rentabilidade destes bancos gira na casa dos 20%, isso significa que a cada cinco anos o lucro dos bancos é capaz de dobrar o patrimônio destas instituições. Esse patamar é superior ao apresentado pelos maiores bancos do mundo.

Não é novidade que os bancos no Brasil praticam as mais altas taxas de juros do mundo e que isso representa, por um lado, uma verdadeira máquina de lucros para as empresas do setor, mas por outro lado, uma verdadeira âncora para a economia, na medida em que bilhões de reais são retirados do bolso dos consumidores, das empresas e do governo em direção ao caixa dos bancos. As taxas de juros de modalidades como cartão de crédito e cheque especial passam de 300% ao ano, e mesmo linha de crédito com baixo risco para os bancos como consignado para trabalhadores do setor privado apresentam juros exorbitantes próximos de 40% ao ano.

O que representa um fator relativamente novo a impulsionar o lucro dos bancos nos últimos anos é um forte processo de corte de gastos vinculado a uma intensa aplicação de novas tecnologias no setor que reduz postos de trabalho e estruturas físicas de atendimento aos clientes. Desde 2013 os bancos reduziram 62.261 postos de trabalho e fecharam mais de 800 agências bancárias, transferindo os clientes para realizar operações nas plataformas digitais ou nos correspondentes bancários.

Com isso o total de despesas de pessoal das instituições financeiras teve queda de 6% em termos reais entre 2013 e 2018. No mesmo período as outras despesas administrativas que englobam aluguel, água, energia, gás, transporte, processamento de dados, serviços de terceiros, segurança, publicidade, depreciação, amortização, manutenção e conservação de bens, materiais, entre outras apresentaram queda real de 24%.

Os relatórios dos bancos confirmam esse movimento. Em sua teleconferência de divulgação dos resultados do quarto trimestre de 2018, o Banco Bradesco apontou que a rentabilidade obtida pelo banco com clientes em plataformas digitais é 40% superior àquela referente a clientes de agências físicas. No mesmo sentido, o Itaú aponta na sua teleconferência que o índice de eficiência das agências digitais é de 26%, enquanto nas agências físicas esse índice é de 71%. Vale destacar que, do ponto de vista da empresa, quanto menor o índice de eficiência, melhor é para a empresa, já que é preciso gastar menos recursos para gerar resultados.

Sendo assim, a leitura dos índices demonstra que o Itaú tem um gasto de R$ 26 para cada R$ 100 que ganha nas agências digitais, enquanto na agência física para gerar os mesmos R$ 100 o banco precisa gastar R$ 71. Ou seja, o processo de migração das operações bancárias para os canais digitais está crescendo a passos largos nos últimos anos, o que representa uma expressiva redução de custos operacionais para as instituições financeiras.

A aplicação de tecnologia precisa de fato gerar ganhos para todos os agentes envolvidos no processo, ou seja, empresas, trabalhadores e consumidores, no entanto, não é o que se observa no caso dos bancos. Os clientes seguem pagando as mais elevadas taxas de juros e tarifas bancárias do mundo. Aliás, no mesmo período em que os bancos reduziram enormemente seus custos, o spread bancário apresentou elevação, mostrando que os clientes bancários não se beneficiaram desse processo.

Os trabalhadores muito menos, pois milhares perderam seus empregos ao invés de serem recolocados em outra ocupação ou de terem sua jornada de trabalho reduzida, debate que a tecnologia permite que venha a tona. Todo esse incremento de lucro, portanto, foi inteiramente apropriado pelos acionistas dos bancos. Apenas em 2018 os dividendos distribuídos pelos três maiores bancos privados do Brasil chegaram a R$ 33 bilhões com alta de 43%. Vale lembrar que os acionistas quando recebem seus dividendos não pagam sequer imposto de renda.

Esse enorme processo de concentração de renda é o que explica que mesmo num cenário de crise econômica profunda os bancos tenham recordes de lucro.

Precisamos voltar a pensar num sistema financeiro que promova crédito sustentável e barato, que inclua as pessoas que precisam ser bancarizadas, que atenda as peculiaridades regionais e geracionais do país, que ajude a desenvolver áreas prioritárias como habitação, agricultura e educação, que ajude a economia a retomar o crescimento e gerar empregos, que destine recursos para projetos de infraestrutura no país. Do contrário as tendências aqui explicitadas vão se aprofundar nos próximos anos e teremos um sistema financeiro cada vez mais excludente, concentrador de renda e que funciona cada vez mais como um obstáculo ao pleno crescimento econômico e social do Brasil.

*Ivone Silva é presidenta do Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região

 

Fonte: Rede Brasil Atual

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