Mães bancárias na pandemia: do amor às dores da maternidade real

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“Quando ia sair da quarentena entrei em outra quarentena”, comenta a bancária da Caixa em Belém, Liege Celice de Souza Batista.

Liege (Caixa)

A entrevista com Liege e todas as mães bancárias na pandemia, que você vai ler a partir de agora, foram feitas por whatsapp, por onde também recebi as fotos mais lindas e cheias de amor que vocês verão hoje por aqui.

Liege pariu Laura em dezembro do ano passado, entrou de licença maternidade e quando estava se preparando para sair pra rua, a pandemia chegou com tudo mudando os planos do mundo.

“No início dessa pandemia liberamos a nossa empregada doméstica para ficar em quarentena, logo os cuidados com a criança foram somados às atividades domésticas, apesar da divisão com meu marido, a rotina é muito pesada. Tem dias que é cansativo, tem a privação do sono, rotina, falta de liberdade, frustração de ficar longe da família, mas a gente vai se virando como pode”, conta.

Mas nem todos os dias de Liege e Laura, da Laura e Liege; são cansativos, tem dias que o cansaço vem acompanhado de aprendizado “incrível, gostoso e desafiador”, segundo a mamãe, que reconhece que ela não tem controle de nada, o que a traz certo alívio.

“A amamentação faz eu me sentir empoderada de poder nutrir a minha filha, criar esse vínculo, porém a livre demanda implica em dedicação exclusiva e renúncias”, afirma.

Liege, é mãe de primeira viagem, não romantiza ‘o ser mãe’, reconhece que não é somente responsabilidade dela os cuidados com a filha, bem como os aprendizados.

“Outro fator primordial é a rede de apoio, que são os amigos que já têm experiência com filhos, família, profissionais (pediatras, psicólogos, doulas) com perfis na internet que disponibilizam várias informações”, explica.

No final do mês, a licença maternidade de Liege chega ao fim, antes disso, com a melhor parceira de vida dela no colo, a bancária participou do Encontro Virtual Estadual da Caixa, no dia 27 de junho.

Liege terminou essa entrevista me fazendo uma ‘confissão’ sobre o receio do que ela chama de separação forçada. “Medo do desmame precoce, do risco de se infectar com o coronavírus, dela não se adaptar longe de mim, dela ter dificuldade com a introdução alimentar, perda de peso. Fico com saudade só de pensar em ficar várias horas longe dela. Apesar de tudo isso estou tentando me preparar pra encarar esse desafio e respirar novos ares”, desabafa emocionada.

Mas antes que eu continuasse a matéria com a história de outra mãe bancária na pandemia, Liege me manda uma mensagem dizendo que houve uma pequena mudança sobre o retorno ao trabalho. “Acabei de saber que vou ficar em home office quando voltar”.

Era como se pudesse sentir nas palavras dela certo alívio traduzida em texto. “Sim, sim, mais tranquila de saber que vou ter a oportunidade de acompanhar de perto as mudanças que estão acontecendo com ela”.

A mim só resta a desejar que tenhas bons dias em home office ao lado da pequena Laura.

Mães enfrentam sobrecarga ainda maior durante a quarentena

Rafaela (BB)

Rafaela Carletto, bancária do BB em Santarém, oeste do Pará, é mãe solo de duas meninas e também dona de casa. O lar que antes era apenas para descanso e momentos de lazer com as filhas e pessoas queridas, hoje é também escola, o banco; algumas vezes invadido por barulhos alheios, de vizinhos que fazem festas regadas a som sem empatia ao próximo.

“Antes quando se saia pra trabalhar, ali estava a sua atenção, agora em meio a telefonemas os filhos lhe pedem atenção, o cachorro late e as coisas de casa desandam. Uma confusão instaurou-se em nossos lares, pelo menos em horário comercial, em condições nada ideais. Não somos super mulheres como muitos insistem em propagar, somos mulheres que lutam para dar conta de todos esses papéis, mas sabemos que muitas vezes não estamos à altura e adoecemos com isso, umas mais, outras menos. Falhamos várias vezes em não reivindicar nosso papel de humanas e dispensar o de super”, desabafa.

A bancária conta que mesmo trabalhando de casa, os banqueiros não deixam de cobrar as metas. “As metas bancárias não se dobram à situação de pandemia, não se dobram às suas limitações em home office, lidamos com números; dinheiro; a mola do mundo, não esperávamos muita compreensão com as vidas. Não há surpresa com os governantes, com os banqueiros, mas gerentes e colegas, muitos, conseguiram ser humanos, fizeram a diferença e souberam dar leveza a uma situação pesada. Vimos muitos horrores, mas mulheres sobrevivem à situação de home office, de professora, de donas de casa, de mães, de esposas e a covid-19; eis a manchete; não com orgulho, mas com um pedido de ajuda de compreensão, de que se junte a nós e não achem que somos super heroínas. Toda ajuda é bem vinda, olhe ao seu redor, sempre há uma forma de ajudar, mas primeiro temos que perceber que esta jornada toda cansa!”, convida Rafaela a todas as mulheres a fazerem uma auto análise.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do ano passado, mulheres dedicam em média 18,5 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, na comparação com 10,3 horas semanais gastas nessas atividades pelos homens.

“Nessa pandemia mais uma vez as mulheres estão sobrecarregadas, porque uma parte da vida ou a vida toda de uma família passou a se concentrar dentro de uma casa. E com todo esse acúmulo é quase que inevitável não ter a saúde mental também atingida, aí a necessidade de ajuda de pessoas que saibam compartilhar, e de profissionais, para orientar o cuidado com o psicológico”, destaca a vice-presidenta do Sindicato, mãe e bancária da Caixa, Tatiana Oliveira.

Sheyla (Banco da Amazônia)

Sheyla Monteiro, bancária do Banco da Amazônia, em Belém, também está em teletrabalho, mas a rotina dela de múltiplas funções está sendo compartilhada com o marido e a mãe.

“Graças a Deus pude contar com o apoio da minha mãe e marido, é ele que, nessa pandemia, sai para o supermercado e para outros casos de necessidade, o que de certa forma ajudou a cuidar do meu psicológico diante do medo de ficar doente, de não dar conta de conciliar várias atividades, que resultaram em várias noites mal dormidas. Mas essa rede de apoio e poder ficar segura em casa trabalhando, mesmo não sendo fácil, também me traz alívio”, conta Sheyla.

Além dos afazeres domésticos e do home office, a bancária acompanha as aulas online da filha de 5 anos e ambas precisam de momentos de lazer entre elas e a família toda.

“No banco eu tinha uma jornada fixa e lá me dedicava totalmente a jornada de bancária, em teletrabalho, essa jornada se mistura a outra jornada de ser mãe e professora; mas com o passar dos meses e a extensão do período de home office fui me adaptando e já tive e estou tendo experiências positivas, uma delas, foi a de poder me aproximar ainda mais da minha filha, e a cuidar mais de mim e principalmente da minha saúde mental”, explica a bancária.

Na categoria bancária, as mulheres ocupam 49% do total de postos de trabalho e recebem, em média, salários 23% menores que os dos homens.

Além da diferença salarial, revelada em Relatórios Anuais de Sustentabilidade dos bancos, a injustiça se expressa também no acesso aos cargos mais altos: o Santander, por exemplo, tem 161 homens diretores e apenas 33 mulheres no mesmo nível de cargo (dados de 2018). Nos cargos gerenciais são 655 homens e apenas 234 mulheres. E isso em um banco que tem em seu quadro 59% de mulheres. No Itaú a situação não é diferente. A diretoria tem 94 homens e apenas 13 mulheres.

Ainda mais preocupante é que mesmo nos bancos públicos a discriminação de gênero é latente. A diretoria estatutária do Banco do Brasil tem 36 homens e apenas uma mulher. Na Caixa apenas 7% dos cargos de dirigentes são ocupados por mulheres.

Maiores vítimas do desemprego e da violência…

Felizmente, nenhuma das mães entrevistadas são vítimas de violência doméstica ou estão desempregada, mas não podíamos deixar de trazer dados alarmantes que essa pandemia revelou ainda mais.

Nos meses de março e abril desse ano, o número de feminicídios subiu de 117 para 143 segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Os casos cresceram 22,2%,entre março e abril deste ano, em 12 estados do país, comparativamente ao ano passado. No Pará, o crescimento chegou a 100%, passando de 5 para 10 vítimas este ano, mas houve redução (-47,8%) nos casos de lesão corporal dolosa e (-7,7%) nos homicídios.

Os fatores que explicam essa situação são a convivência mais próxima dos agressores, que, no novo contexto, podem mais facilmente impedi-las de se dirigir a uma delegacia ou a outros locais que prestam socorro a vítimas.

Além do aumento da violência contra a mulher durante a pandemia causada pelo novo coronavírus, nos deparamos com outro cenário desolador: o desemprego. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), realizada pelo IBGE, o desemprego atinge 14,5% das mulheres, enquanto 10,2% dos homens estão sem ocupação.

O relatório “Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19”, divulgado no final de março pela ONU Mulheres, revelou que dentre a população feminina mundial, as trabalhadoras do setor de saúde, doméstico e informal são as mais afetadas pelos efeitos da pandemia do novo coronavírus.

Segundo o IBGE, 38 milhões de pessoas no Brasil estão abaixo da linha pobreza; dessas, pelo menos 27,2 milhões são mulheres; elas também são a maioria entre a população idosa (56%) que sobrevive sozinha e com pequenos recursos.

Se já não bastasse, de acordo com dados do IPEA, 31,8 milhões de famílias do país (45,3% do total) são chefiadas por mulheres e, em tempos de pandemia, ainda têm que cuidar dos filhos e trabalham arduamente nos seus lares.

A ONU Mulheres emitiu um conjunto de recomendações, colocando as necessidades e a liderança feminina no centro de uma resposta eficaz para o enfrentamento do COVID-19:

– Garantir a disponibilidade de dados desagregados por sexo, incluindo taxas diferentes de infecção, impactos econômicos diferenciais, carga de atendimento diferenciado e incidência de violência doméstica e abuso sexual;

– Incorporar as dimensões e as pessoas especialistas em gênero nos planos de resposta e nos recursos orçamentários para incorporar a experiência em equipes que cuidarão do assunto;

– Fornecer apoio prioritário às profissionais na linha de frente, por exemplo, melhorando o acesso a equipamentos de proteção individual e produtos de higiene menstrual para profissionais de saúde e prestadores de cuidados de saúde, e acordos de trabalho flexíveis para mulheres com uma carga de cuidados;

– Garantir voz igual para na tomada de decisões na resposta e no planejamento de impacto a longo prazo;

– Garantir que as mensagens de saúde pública sejam direcionadas adequadamente às mulheres, incluindo as mais marginalizadas;

– Desenvolver estratégias de mitigação que visem especificamente o impacto econômico do surto e desenvolver a resiliência feminina;

– Proteger serviços essenciais de saúde para mulheres e meninas, incluindo serviços de saúde sexual e reprodutiva e;

– Priorizar os serviços de prevenção e resposta à violência de gênero nas comunidades afetadas pelo COVID-19.

 

Fonte: Bancários PA, com ONU e IBGE

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