Portela concede entrevista e volta a negar venda do Santander Brasil

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O jornal O Estado de S.Paulo publicou nesta sexta-feira (8) uma entrevista de página interna com o presidente do Santander Brasil, Marcial Portela, sob o título “A indústria financeira do Brasil vai se transformar nos próximos 2 a 3 anos”. O executivo volta a negar a venda da subsidiária brasileira do banco espanhol.

Confira a íntegra da entrevista de Portela:

“A indústria financeira do Brasil vai se transformar nos próximos 2 a 3 anos”

Executivo descarta venda da operação brasileira, que classifica como um “objeto de desejo” para outros bancos

A queda da taxa básica de juros para níveis historicamente baixos veio para ficar e vai mudar completamente o negócio financeiro no Brasil. A afirmação é do presidente do Santander no País, Marcial Portela.

“Mudará o spread (diferença entre a taxa de juros que a instituição paga e a que cobra), mudará a estrutura de funding (captação) dos bancos, hoje muito dependentes das receitas de crédito. Amanhã, será tudo mais bem distribuído entre serviços bancários de diferentes naturezas”, afirma. No bolso do cliente, a mudança a qual se refere Portela se traduz em juros mais baixos. Não só por causa da taxa básica menor. Mas também pelo provável fim do que ele chama de “subsídios cruzados”.

O sotaque não impede que o espanhol de 67 anos deixe bem claro o que quer dizer com a expressão técnica: hoje, muitos clientes arcam com taxas salgadas para permitir que outros paguem menos. Nesta entrevista ao Estado, concedida na véspera do feriado de Corpus Christi, Portela nega que o Santander vá se desfazer da operação brasileira.

Confira:

O Santander pensa em vender a operação no Brasil?

O Santander nunca pensou em vender a operação brasileira. Ao contrário: sempre procurou fazê-la crescer. Qualquer banco mundial com situação de capital boa gostaria de ter um banco no Brasil. Mas é impensável comprar um Bradesco, um Itaú, um Banco do Brasil. O Santander acaba sendo um objeto de desejo. Mas não está à venda. Nunca esteve. O Santander seria um comprador se existisse um ativo para comprar no Brasil. Temos um princípio, como banco de varejo: é preciso ter massa crítica. Se você não consegue ter massa crítica em um prazo razoável, de cinco anos, vende a operação.

O que é essa massa crítica?

Para nós, é ter ao redor de 10% do sistema financeiro de um País. Mas é preciso ser um sistema financeiro grande. Vendemos operações em vários lugares porque não havia massa crítica. Tomemos como exemplo um país com 7 milhões de clientes bancários. Se você tiver 10% do mercado, estamos falando de 700 mil clientes. Não é possível tornar rentável uma operação séria de varejo com 700 mil clientes. É preciso 5 milhões, 7 milhões, 10 milhões.

Além disso, estrategicamente, para o Santander, o Brasil é um mercado natural. O Santander hoje não é um banco espanhol. A sede é na Espanha, mas tem acionistas no mundo todo e o maior número de clientes está no Brasil. Na matriz, querem uma operação brasileira ainda maior.

Por que maior?

Para acompanhar o processo de transformação do País. Por exemplo: o desenvolvimento da indústria de petróleo. Há enorme riqueza potencial nisso.

O Santander tem questões a resolver na Espanha, por causa da crise. Precisa de capital. Poderia aceitar novo sócio no Brasil?

Já temos sócios no Brasil. Os investidores do Catar, com quase 5% do banco, e os minoritários, com 23,5%. É preciso ficar claro que a matriz não precisa de capital. O Santander na Espanha tem um nível de capital próximo de 10%, acima do exigido pelas autoridades, de 9%.

O Santander tem sido criticado aqui por ser menos rentável do que prometeu na época da abertura de capital. O que o sr. diz ao acionista?

Tenho repetido muito aqui dentro o que dizia ao meu predecessor, Fábio Barbosa: em uma crise mundial tão forte, o ponto crítico não é ter rentabilidade elevada, mas sim capital elevado. É o que os reguladores estão fazendo agora. As exigências de capital são bem mais elevadas agora.

O debate nível de capital versus rentabilidade é falso na atualidade. Níveis de 16% ou 17% de rentabilidade estão bons para uma taxa de juros de 12%. Se a taxa de juros for menor, a rentabilidade pode ser menor e continuará sendo boa para o acionista mesmo assim.

Esse atual nível dos juros veio para ficar?

Sim. A sociedade brasileira quer ter um nível de juros compatível com o fato de ser a sexta maior economia do mundo. Não se trata, portanto, de uma demanda da presidente Dilma Rousseff. É da sociedade. Todo mundo reconhece que o nível de juro real do Brasil no passado era inacreditável. Hoje está provado que as taxas podem ficar mais próximas da dos países “normais”. Não há nada que justifique o fato de o Brasil não ter uma taxa de juros “normal”. Pode haver diferenças pequenas, claro. Mas não enormes. Isso implica que muitos operadores econômicos, inclusive o governo, têm de mudar de comportamento.

No caso do Santander, o que precisa mudar?

O sistema financeiro tem muito subsídio cruzado.

Como assim?

Por exemplo: uma taxa de juros muito elevada no cartão de crédito acaba subsidiando outro negócio. Há clientes que pagam juros insustentáveis até. E isso alimenta o subsídio cruzado, que beneficia outros clientes. Esse tipo de distorção vai ser corrigida. Como? Pela melhora da avaliação de risco do cliente – o que envolve cadastro positivo, alguma outra regulamentação para poder cobrar os devedores com mais facilidade. O relacionamento com o consumidor também será diferente, mas respeitoso. O cliente vai conhecer melhor o crédito, será mais bem educado para isso.

Como o sr. vê a pressão do governo sobre os bancos para redução dos juros cobrados de empresas e pessoas físicas?

Seria muito bom não precisar da pressão do governo para fazer aquilo que deve ser feito. Mas, às vezes, as coisas só acontecem quando tem pressão de algum lugar. Para mim, não é nem tanto a pressão do governo, mas da sociedade brasileira. A presidente apenas refletiu uma demanda das pessoas e dos empresários.

Quando entrou no Brasil, o Santander sentiu alguma dificuldade para conseguir operar com preços mais baixos?

Estamos acostumados a operar em outros lugares do mundo com taxas de juros e spreads bem mais baixos. É possível ser rentável em situações bem diferentes. O Brasil tem um nível de funding (captação de dinheiro) muito elevado. A poupança é um exemplo. Tanto que poucos acreditavam que o governo teria coragem de mexer.

Quando chegamos aqui, percebemos que, se o sistema não muda, um operador privado não consegue mudar sozinho. Muita coisa ainda precisa mudar em relação ao funding. Por exemplo: não é lógico que o Brasil, sendo a sexta potência mundial, tenha prazos de funding praticamente diários, como se houvesse hiperinflação.

O cliente brasileiro é sensível aos preços no sistema bancário?

Sim. Nosso cliente é inteligente, sensível a preços.

Pode dar exemplos?

Em 2004, 2005, tínhamos de 2% a 2,5% de participação no mercado de cartão de crédito. Hoje, temos mais de 10%. Por que isso? Naquele momento, o Santander identificou uma oportunidade de crescer de forma sustentável nesse mercado.

Com inadimplência em alta, há espaço para ampliar o crédito?

É razoável uma expectativa de expansão de crédito para os próximos dois ou três anos entre 15% e 20% anuais. Essa estimativa leva em conta um crescimento do PIB de 3%, com inflação de 4% a 5%. Nesse contexto, não vemos problemas. Com relação ao nível do endividamento das famílias, há dados importantes.

O Brasil tem aproximadamente 60 milhões de famílias. Metade toma crédito, metade não. Das 30 milhões que tomam, cerca de 10 milhões estão muito endividadas. Portanto, há um grupo grande de 20 milhões de famílias que ainda pode pegar mais empréstimos. E ainda há as outras 30 milhões que não tomam crédito. Ou seja, há espaço para expansão.

E é possível haver novas reduções dos juros no Santander?

Sim.

O cliente pode esperar novas reduções?

É razoável esperar que sim.

Por quê?

É por causa da transformação do sistema. A indústria financeira vai transformar-se nos próximos dois a três anos. Não é algo para dez anos, não. Já vivemos uma transformação muito forte. As taxas de juros chegaram a um lugar para ficar.

E os juros vão cair para empresas também?

Para empresas, a conversa é outra. Empresas grandes já têm níveis de spread muito baixos. É um assunto relacionado com aquilo que falei sobre os subsídios cruzados.

O que detona isso é a mudança de nível da taxa básica de juros?

A mudança do nível da taxa de juros é tão estrutural para um país que leva consigo a transformação do mercado financeiro. O processo fica ainda mais forte se está associado a uma transformação social profunda, como a que ocorre hoje no Brasil.

Como a intervenção no Cruzeiro do Sul impacta o Santander?

Não tem impacto, de início. O Cruzeiro tinha participação muito pequena no mercado. É um banco com modelo de negócio muito específico, de nicho. Mas nunca é bom ter bancos em situação complicada. Aproveito para elogiar a solução dada pelo Banco Central. Concordo com o que foi feito.

De 2010 para cá, vimos vários bancos pequenos e médios com problemas. Isso muda a visão sobre nosso sistema financeiro?

Isso é parte da vida. Nossa visão é a de que o Brasil, entre os muitos privilégios que tem, dispõe de um sistema financeiro sólido, que está bem capitalizado e bem provisionado. É um privilégio que o País deve preservar. Em comparação com Estados Unidos e Europa, é um privilégio fantástico.

Fonte: O Estado de S.Paulo

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