Ataques de Musk aprofundam debate sobre a regulamentação das plataformas no Brasil

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Desde o último sábado (6), o bilionário herdeiro de jazidas de esmeralda na África do Sul e dono da rede social X (antigo Twitter) Elon Musk vem usando seu perfil para interferir na política brasileira. O foco de seus ataques é o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, a quem acusa de censura. Musk disse que Moraes deveria renunciar ou sofrer impeachment e que desbloquearia perfis suspensos por decisão da Corte – ameaça que não se concretizou.

As investidas continuaram ao longo da semana, fato que reavivou a necessidade de discussão sobre a regulação de redes sociais no país. Já existe um projeto de lei com esse objetivo em tramitação no Congresso Nacional: é o PL 2630, conhecido como PL das Fake News, relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). O texto, entretanto, enfrenta resistência entre parlamentares.

O podcast Três Por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, convidou Rafael de Almeida Evangelista, pesquisador da Unicamp e membro da Rede Latinoamericana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), para comentar a necessidade de regulação de redes e outras ações necessárias para modular a influência política das plataformas de redes sociais na sociedade.

“Não basta ter uma regulação das plataformas. Ela é importante, ela é necessária, ela é essencial, mas a gente precisa também ter políticas públicas digitais para a construção de bens públicos digitais, ambientes de discussão pública, que sejam socialmente controlados”, afirma Evangelista.

O comentarista João Pedro Stedile, economista e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), opina que o governo federal deve usar o debate como uma oportunidade de criar políticas públicas. “O governo Lula precisa urgentemente também se mexer para atuar nesse tema e não só ficar esperando do parlamento”.

Diante dos ataques de Musk, Moraes incluiu o bilionário no inquérito das milícias digitais que investiga grupos criminosos que se articulariam na internet para promover ataques às eleições e às instituições brasileiras.

Musk acusa Moraes de censura, de forma semelhante à dos investigados pela tentativa de golpe de Estado bolsonarista. Para Evangelista, a comparação é descabida. “Não tem como equivaler isso a censura, é preciso tirar da frente essa ideia de que estaria acontecendo algum tipo de abuso”, analisa.

Ele lembra ainda que a legislação norte-americana é diferente da brasileira. “Quando Elon Musk faz faz esses comentários, ele coloca o peso político dele e da rede contra as atitudes do Alexandre de Moraes ou contra a regulação das plataformas. Ele está trazendo uma concepção que é alienígena. A concepção norte-americana de liberdade de expressão absoluta não se enquadra com a concepção brasileira […] você não pode incitar ódio, você não pode pedir pela derrubada de um governo democrático”.

Para Stedile, a movimentação de Elon Musk contra a Justiça brasileira está associada com a crise do mercado. “O capitalismo, na sua crise, não consegue mais resolver o problema das pessoas, as necessidades das pessoas. Então eles têm que criar as fake news, tem que criar as ilusões para que a população não se dê conta da onde que tá o verdadeiro problema”.

Dentro deste contexto, o pesquisador da Unicamp reafirma que a presença de grandes empresários na administração de plataformas online – não só Elon Musk, mas, por exemplo, Mark Zuckerberg, dono da Meta, empresa proprietária do Facebook, do Instagram e do WhatsApp – evidencia a influência do mercado no mundo digital.

“Essa ocupação por parte dos empresários tornou as redes um ambiente que necessita de regulação, justamente para que isso não contamine, por exemplo, a vida política.”

O pesquisador também aponta que a esquerda cometeu o erro de, nos últimos 15 anos, de “tratar as plataformas como um espaço neutro de debates. As redes obedecem a interesses das grandes plataformas”.

Com a retomada do tema no cenário político, o presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL), decidiu criar um novo grupo de trabalho para discutir a regulação o PL das Fake News e substituir o relator Orlando Silva.

Segundo Rafael Evangelista, o texto atual do PL é muito parecido com a lei já em vigor na Europa. “Inclusive a lei europeia é mais dura do que o que está sendo proposto aqui no Brasil. Mas as plataformas criam um jogo com a extrema direita.”

Polarização nas redes

Evangelista afirmou que não é possível para explicar a ascensão da extrema direita no Brasil nos últimos anos sem pensar nas redes. “Eles têm utilizado as grandes plataformas de maneira muito esperta. Esse é o tipo de política que a extrema direita faz: do sensacionalismo, do escândalo. É um tipo de política que funciona muito bem nessas grandes plataformas”, afirma Evangelista, membro da Lavits, Rede Latinoamericana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade.

Ao Três Por Quatro, Stédile relembrou a situação do jornalista e ativista Julian Assange, que divulgou documentos secretos do exército dos Estados Unidos durante a guerra do Afeganistão, no caso conhecido como Wikileaks e o de Edward Snowden, que revelou o aparato de espionagem dos Estados Unidos que coletava dados de pessoas de todo o mundo pelas redes sociais.

“O Estado profundo americano vem usando sistematicamente todas essas informações para manter os interesses deles. O Musk é apenas uma das armas que eles têm […] Ele é parte dessa grande articulação internacional fascista que é a direita na crise do capitalismo. Está sempre circulando para manter os seus interesses, por isso tem presença na Europa nos Estados Unidos e aqui na América Latina. Mas isso é parte da luta de classes”, comenta Stédile.

Para o pesquisador da Unicamp, Musk blefa ao dizer que vai retirar o X do Brasil. “Na verdade, ele só estaria prestando um bom serviço, porque talvez as pessoas pudessem sair daquela plataforma e ir para outras plataformas que não sejam controladas pelas Big Techs ou alguma outra plataforma que não tenha as regras do Twitter”. Segundo ele, o bilionário “usa a plataforma como um brinquedo político dele para arregimentar a extrema direita”.

Em contraponto a esse imbróglio, Evangelista destacou o trabalho feito com a Unicamp em defesa de plataformas administradas publicamente. “Na Unicamp, por exemplo, instalamos uma instância de uma rede social livre, aberta e descentralizada que se chama Mastodon e, a partir desse lugar que é a nossa instalação, a gente conversa com diversas outras instalações”.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país.

 

Fonte: Brasil de Fato

 

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