Estudo sabotado por Bolsonaro revela contaminação por mercúrio de indígenas Yanomami

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Um estudo da Fiocruz que o governo Jair Bolsonaro (PL) tentou sabotar foi disponibilizado nesta quinta-feira (4) e revelou uma clara associação entre garimpo ilegal e contaminação por mercúrio na Terra Indígena (TI) Yanomami. A situação atinge principalmente mulheres grávidas e crianças.

“Estamos diante de uma tragédia. Não tem outra palavra para definir. E essa tragédia tem múltiplos impactos que se estendem por distintas áreas da vida dos povos tradicionais”, disse ao Brasil de Fato o médico Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz.

Entre os impactos estão índices alarmantes de anemia, malária e desnutrição crônica, sobretudo em gestantes e crianças. O mercúrio usado na separação do ouro foi encontrado em 100% dos quase 300 indígenas examinados, com maior índice de contaminação em aldeias próximas a garimpos.

“Nos casos graves de exposição crônica ao mercúrio, muitas vezes a mãe não consegue levar a gravidez até o final, sofrendo abortos de repetição. Quando ela consegue dar à luz e está com altos níveis de mercúrio, a criança pode nascer com deformidades congênitas, síndromes genéticas diferentes, paralisia cerebral, entre outros problemas”, revela o pesquisador.

O estudo também constatou:

. Apenas 15,5% das crianças com vacinas em dia
. Desnutrição aguda em mais da metade de menores de 11 anos
. Anemia em 25% das crianças até 11 anos
. Mais de 80% tiveram malária pelo menos uma vez, com média de três contaminações por pessoa.
. 80% das crianças com déficit de altura, indicando desnutrição crônica

QI de crianças abaixo da média

Paulo Basta explicou que o metal pesado passa pela placenta da mãe para o bebê. Crianças Yanomami que nasceram aparentemente saudáveis apresentam desenvolvimento intelectual comprometido.

“Quando uma mulher gestante come um peixe contaminado, o mercúrio é absorvido no trato gastrointestinal, cai na corrente sanguínea, é distribuído por todo o corpo e, por intermédio da placenta,, chega até o feto que está em desenvolvimento”, explicou Paulo Basta.

Teste adaptados à cultura dos indígenas indicaram que o Quociente de inteligência (QI) médio das crianças foi de 68, abaixo do valor médio geral previsto em testes deste tipo, que é 100. Segundo o estudo, muitas dessas crianças apresentaram inteligência considerada limítrofe, mediana ou inferior. Em uma das aldeias, apenas uma criança apresentou QI mediano.

“A criança que tem atrasos nos marcos do neurodesenvolvimento vai, por exemplo, demorar a sentar, a sustentar a cabecinha, a engatinhar, a dar os primeiros passos, a falar as primeiras palavras. Ela não vai brincar do mesmo jeito que as outras crianças brincam, vai ter dificuldade de aprendizado, vai receber bilhetinhos do professor dizendo que não está seguindo as orientações na escola”, exemplifica o médico da Fiocruz.

Governo Bolsonaro tentou interditar pesquisa

A pesquisa liderada pelo Fiocruz foi realizada em outubro de 2022 com indígenas Yanomami do subgrupo Ninam. Equipes formadas por médicos, biólogos e geógrafos visitaram nove aldeias no Alto Rio Mucajaí, uma áreas mais afetadas pelo garimpo ilegal.

Um ano antes, em outubro de 2021, os pesquisadores solicitaram autorização para ingressar na TI Yanomami, mas foram barrados pela Funai. A justificativa do órgão indigenista foi a pandemia de covid-19, embora a equipe integrada por nove médicos estivesse lá para atuar justamente na área da saúde.

“Foi uma manobra política clara de sabotagem que prejudicou nosso trabalho e inviabilizou a avaliação da população naquele momento”, avaliou Paulo Basta.

O médico da Fiocruz diz que negativa da Funai causou indignação e frustração na equipe, que já estava mobilizada para ingressar na TI Yanomami. Segundo ele, é possível que os dados fossem ainda mais graves se a pesquisa fosse realizada dentro do calendário original.

“Com o fim do do decreto da pandemia, em abril de 2022, nós ingressamos novamente com um pedido. E aí a Funai não teve como negar novamente”, lembrou.

Doenças não sumirão com os invasores

Todos os 287 indígenas testados tinham mercúrio no organismo: 84% tinham níveis de contaminação acima de 2 microgramas e quase 11% apresentaram mais de 6 microgramas, índice considerado alto que requer atenção especial e investigação complementar.

Atualmente a região onde ocorreu o estudo serve como reduto de garimpeiros armados que desafiam a operação de expulsão liderada pelo governo federal, que começou em janeiro de 2023, mas até agora não conseguiu concluir a retirada dos invasores.

“Se hoje nenhuma gota de mercúrio for despejada na terra Yanomami, nós teremos que manejar todos esses efeitos por pelo menos um século. Ele pode permanecer no ambiente sob diferentes formas por até 100 anos”, explica Basta.

O Brasil de Fato procurou a Hutukara Associação Yanomami, que representa o povo, para comentar os resultados do estudo, mas problemas de agenda das lideranças indígenas impediram a realização da entrevista.

O estudo é intitulado Impacto do mercúrio em áreas protegidas e povos da floresta na Amazônia: uma abordagem integrada saúde-ambiente. Os trabalhos foram conduzidos pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), em parceria com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que contou com o apoio do Instituto Socioambiental (ISA).

 

Fonte: Brasil de Fato

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