Sem regulamentação do sistema financeiro, tarifas bancárias explodem

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Em reportagem publicada em sua edição de segunda-feira (2), o Correio Braziliense destacou o aumento vertiginoso das tarifas bancárias. De acordo com o texto, a queda da taxa básica (Selic) está obrigando os bancos a reestruturarem suas operações no Brasil. Com os juros dos títulos públicos em baixa, as instituições estão pesando a mão nas tarifas bancárias, que avançaram 77,68% em dois anos, e de cartão de crédito, que cresceu 45,56%.

No mesmo período, a inflação acumulada foi de 17,65%. A queda da Selic derrubou o faturamento no mercado de capitais. Segundo levantamento feito pelo jornal nas publicações do Banco Central, em dezembro de 2009 os rendimentos dessas operações chegaram a representar 64,07% do lucro líquido do setor; em igual mês do ano passado, o percentual caiu para 7,49%.

Os sindicatos dos bancários, incluindo o de Brasília, sempre questionaram as altas tarifas cobradas pelos bancos. Tarifas essas que cobrem mais de uma folha de pagamento das instituições financeiras. “As recentes crises financeiras mostram que o Brasil precisa regular urgentemente seu sistema financeiro. Em virtude de sua política protecionista, o Banco Central parece mais um sindicato dos bancos. Queremos outro sistema financeiro, mais justo e socialmente responsável”, afirma o diretor do Sindicato dos Bancários de Brasília, Eduardo Araújo.

Bancos públicos – Ao assumirem o papel de impulsionadores do desenvolvimento econômico e social, os bancos públicos deveriam dar o exemplo e reduzir suas tarifas e juros aos consumidores. “Porém, na prática, agem iguais aos bancos privados: priorizam o lucro em detrimento do desenvolvimento econômico e social do país”, critica o presidente do Sindicato, Rodrigo Britto, que também é diretor da Central Única dos Trabalhadores (CUT-DF).

Compromisso com venda ética – Durante a 13ª Conferência Nacional dos Bancários, realizada em julho de 2011, em São Paulo, a categoria aprovou a Declaração sobre a Venda Responsável de Produtos Financeiros, documento elaborado pela UNI Finanças, que prevê, entre outros itens, o fim das metas abusivas e a garantia de uma “cultura interna de negócios e procedimentos operacionais que conduzam à venda responsável de produtos”.

A carta foi aprovada pelo Comitê Diretivo da UNI Finanças, em junho de 2010, durante reunião realizada em Copenhague, na Dinamarca. Entre os pontos com os quais os trabalhadores querem que os bancos se comprometam, estão a garantia de que os sistemas de incentivo para os empregados “sejam realistas, justos e transparentes; baseados em objetivos sustentáveis e de longo prazo; e não prejudiquem os empregados”. Além disso, os trabalhadores querem garantia de que os produtos financeiros sejam adequados para as necessidades dos consumidores.

“Propomos ao Banco do Brasil e à Fenaban (Federação Nacional dos Bancos) o fim da venda casada, mas, no entanto, insistem em responsabilizar os bancários pela prática. Os banqueiros não aceitam o fim da venda casada porque não querem ter responsabilidade com consumidores”, explica Araújo.

Confira aqui a íntegra da Declaração sobre a Venda Responsável de Produtos Financeiros

Intermediação financeira – No fim do ano passado, a renda de tarifas bancárias e de cartões somou R$ 39,10 bilhões no acumulado de 12 meses até dezembro – o equivalente a 66% do lucro líquido do setor bancário em 2011. Roberto Luís Troster, economista e consultor especializado no setor bancário, explica que, com a queda da Selic, os bancos tendem a se dedicar mais ao seu objetivo principal: a intermediação financeira. “Eles acabam aumentando a oferta de empréstimos e ganham mais com isso”, garante.

Cobranças – Segundo a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), com essa necessidade de manter a margem de lucro, o foco das instituições é o bolso dos clientes. Em uma pesquisa feita pela entidade, as tarifas de cartões de crédito, por exemplo, apresentaram alta de até 270% entre 2010 e 2011 – na média do setor, o incremento foi de 20%.

“A Proteste enviou ofício à Casa Civil e ao Departamento de Proteção e Defesa do consumidor (DPDC) informando que, além das altas taxas dos juros, o consumidor brasileiro também está sendo penalizado com a cobrança de anuidades elevadas. Das 75 pesquisadas, 86,6% foram reajustadas”, informa a entidade em seu site na internet.

Com a redução da taxa básica de juros, os bancos expandiram fortemente sua base de clientes. O número de tomadores de crédito, segundo o Relatório de Estabilidade Financeira, cresceu 17% nos últimos quatro anos e, apenas em 2011, registrou 11% de avanço.

João Augusto Salles, economista da consultoria Lopes Filho, lembra que o perfil de operação dos bancos mudou radicalmente da década de 1990 para os dias de hoje. Segundo ele, no início do plano real e até antes dele, as instituições privilegiavam operações de renda e quase não realizavam empréstimos.

“Aplicavam com risco mínimo nos títulos do governo”, lembra. “Esse mix dos ativos foi alterado na medida em que tivemos uma pujança de demanda por operações de crédito e uma ampliação de prazos”, conta.

Metas – Ainda de acordo com Salles, os bancos continuam a garantir boas margens porque demoram a repassar a queda da Selic para as operações de crédito. Entretanto, essa é uma condição normal do mercado. “O repasse da Selic para a economia real realmente demora mais, pelo menos quatro meses para chegar às operações de crédito”, pondera.

Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente de testes e pesquisas do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a mudança no perfil de operação dos bancos cria mais pressão sobre os trabalhadores do setor, que têm de cumprir metas e acabam cometendo uma série de irregularidades contra o consumidor. “Por isso é preciso reclamar no Banco Central e nos Procons, enquanto não virar estatística os bancos vão dizer que foi apenas um funcionário mal-intencionado e as coisas não mudam”, argumenta.

Em toda pesquisa realizada pelo Idec, são vários os problemas encontrados nos bancos. Tarifas cobradas irregularmente, produtos enviados sem solicitação do cliente e descumprimento de contratos. “Simplesmente não há respeito das normas”, critica Oliveira. Nos últimos 12 meses, apenas as reclamações de tarifas cobradas irregularmente em contas bancárias e cartões de crédito somam 2.969 queixas no Banco Central.

Diante da queda da Selic, a competição entre as instituições financeiras se acirra e a pressão por resultados aumenta. “Principalmente depois que foi dado ao consumidor o direito da portabilidade de conta. Agora ele pode levar o dinheiro para onde quiser e isso tem aumentado ainda mais a competição”, afirma Salles.

Desde agosto do ano passado, quando o BC deu início ao ciclo atual de afrouxamento monetário, essa disputa ficou ainda mais acirrada. Pelos cálculos da instituição, por um lado a redução da taxa básica diminui o custo de captação dos bancos mas, em contrapartida, o setor deixa de ganhar aproximadamente R$ 4 bilhões para cada 1% de corte na Selic.

Pesquisa – Na avaliação de Carlos Thadeu de Oliveira, do Idec, a única forma de o consumidor se defender nessa guerra entre bancos é pesquisando preços de tarifas e pacotes e denunciado os abusos.

Uma dica é comparar o custo desses serviços no site www.febraban-star.org.br. Procurada pela reportagem, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) limitou-se a dizer que não comenta o assunto.

Fonte: Seeb Brasília com Correio Braziliense

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