STF começa a julgar leis estaduais que proíbem uso do amianto

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No início do julgamento que definirá o uso e venda de amianto branco (crisotila) no Brasil – terceiro maior exportador mundial do mineral -, os dois ministros que se manifestaram sobre a questão divergiram. O ministro Carlos Ayres Britto julgou constitucional lei do Rio Grande do Sul que baniu, em 2001, a fibra no Estado. Enquanto o ministro Marco Aurélio Mello considerou inconstitucional lei de teor semelhante editada pelo Estado de São Paulo, em 2007.

Os ministros começaram a discutir se as leis estaduais poderiam prevalecer sobre a norma federal que regulamenta a extração – Lei nº 9.055, de 1995. A norma autorizou o uso e comércio somente do amianto branco, menos nocivo que o do tipo anfibólio – já banido em quase todo o mundo. De um lado, discute-se as consequências para a saúde do trabalhador. Do outro, a manutenção de um mercado bilionário.

Para Ayres Britto, a lei gaúcha cumpre melhor a Constituição Federal na garantia de proteção à saúde, além de estar em sintonia com a Convenção da Organização Mundial do Trabalho (OIT), de 1991, que prevê a proibição do amianto se a medida for necessária para proteger a saúde do trabalhador. “A lei federal assegura absurdamente sobrevida ao amianto”, disse o ministro.

Já o ministro Marco Aurélio entendeu que é viável o uso controlado do amianto. “Proibi-lo vai abrir portas para banir qualquer coisa, o que faria com que retornássemos à época das cavernas”, afirmou. Para ele, porém, a União deveria ser responsabilizada por descumprir a Convenção da OIT e não as empresas.

A decisão poderá ter impacto sobre as leis dos Estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, que também são questionadas no Supremo por banirem o uso do mineral. No STF, ainda não há contestação contra lei do Mato Grosso, editada para o mesmo fim.

Segundo a presidente do Instituto Brasileiro de Crisotila (IBC), Marina Julia de Aquino, um resultado desfavorável significará a perda de R$ 3 bilhões de faturamento anual, 170 mil empregos na cadeia produtiva, além do desabastecimento “imediato” de telhas no mercado interno. “As telhas de zinco, barro e de materiais derivados de petróleo não atendem à demanda”, disse.

Atualmente, há uma mineradora que explora o amianto e 11 empresas que o utilizam como matéria-prima em 16 fábricas, situadas em oito Estados brasileiros. O mineral é utilizado também para a produção de caixas d’água e pastilhas de freio para carros. O início do julgamento já teve reflexos negativos para a Eternit. As ações da companhia caíram ontem 4,8% no pregão da BM&FBovespa, sendo negociada a R$ 8,40.

Segundo Marina, o município de Minaçu (GO) enfrentaria a situação mais crítica, pois sedia a única mina do minério do país. “Vai virar uma cidade fantasma”, afirmou. Ontem, centenas de trabalhadores da indústria extrativa da cidade fizeram manifestação em frente ao Supremo pela defesa do amianto. “Criamos um ambiente saudável de trabalho com uma regulação eficiente”, disse o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Extrativa de Minaçu, Adelman Araújo Filho. “Temos acordo com as empresas e fiscalização do cumprimento das 58 cláusulas do acordo.”

O advogado Leonardo Amarante, da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto e de mais de cem vítimas da substância, defendeu que há uma premissa científica no sentido de que não há uso controlado do amianto. “Não há como permitir o uso do mineral em homenagem à vida e à saúde”, afirmou ele, acrescentando que seus clientes são vítimas de câncer de pulmão, de pleura e de asbestose, que é uma doença pulmonar.

Advogados favoráveis à proibição do amianto afirmam que, segundo dados do Ministério da Saúde, cerca de 2, 4 mil pessoas morreram entre 1997 e 2007 pela inalação da fibra. Uma liminar concedida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, dispensou as empresas que exploram o material de informarem anualmente ao Ministério o estado de saúde dos trabalhadores, como determina a lei que regulamenta a atividade.

A constitucionalidade desta lei também é questionada pelo Supremo. Mas não foi analisada ontem por falta de quórum. Dos dez ministros, dois estavam ausentes e o ministro Dias Toffolli impedido de julgar a questão por ter sido advogado da União na época do ajuizamento da ação. Pelo regimento, oito ministros precisam julgar ações de constitucionalidade.

Trabalhador será indenizado – O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da Bahia manteve sentença que condenou a Eternit a indenizar um ex-funcionário que poderá desenvolver doenças pulmonares por ter inalado amianto. Os desembargadores teriam ainda dobrado o valor dos danos morais fixado pela primeira instância, que foi de R$ 50 mil, de acordo com a advogada do trabalhador, Rafaela Carvalho, do escritório Alino e Roberto Advogados. A decisão ainda não foi publicada.

O ex-funcionário trabalhou na Eternit de 1968 a 1983 como servente. De acordo com o processo, ele alega que nunca foi informado sobre os perigos do amianto ou recebeu os equipamentos necessários para sua segurança.

Segundo a ação, o trabalhador soube, em 2008, que possuía placas pleurais, condição que poderia evoluir para doenças pulmonares. “O perito constatou que a placa não o torna incapaz, mas a juíza entendeu que o trabalhador deveria ser indenizado por conviver com a expectativa de poder desenvolver doenças como a asbestose e o mesotelioma”, diz Rafaela.

Na decisão de primeira instância, a juíza Dilza Crispina Maciel Santos, da 1ª Vara do Trabalho de Simões Filho (BA) entendeu que o fato de a Eternit não ter oferecido equipamentos de segurança ou informado sobre os perigos do amianto tornaria a empresa responsável pelo possível adoecimento do trabalhador.

“Somente a ela pode ser atribuída a responsabilidade pela infeliz opção de, à época, não se sabe por quais razões, fazer silêncio de dados tão importantes”, afirma a juíza.

Por nota, a companhia diz que vai recorrer da decisão, acrescentando que “em primeira instância, o perito nomeado pela Justiça demonstrou na ação que o ex-colaborador não é portador de doença relacionada ao amianto” e que, “mesmo assim, a juíza condenou ao pagamento de dano moral por adoecimento, o que não procede”.

Fonte: Valor Econômico

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