Irmã Dorothy segue inspirando luta camponesa, 15 anos após ser morta por fazendeiros

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Em 12 de fevereiro de 2005, a missionária Dorothy Mae Stang foi assassinada aos 73 anos de idade. Foram seis tiros à queima roupa, um deles na cabeça, ela tombou em Anapu, no oeste do Pará sem a mínima chance de defesa.

Segundo dados do Centro de Documentação da CPT Dom Tomás Balduino, de 2005 a 2019 foram registrados 23 assassinatos em conflitos no campo no município de Anapu (PA).

Para Dinailson Benassuly, representante do Comitê Dorothy, a luta nunca foi fácil, mas depois que o Brasil elegeu um presidente de extrema direita, o dia a dia dos camponeses se tornou ainda mais difícil. Segundo o militante, os latifundiários claramente se sentem fortalecidos pelas ações do governo estadual e federal.

“Tudo o que ganhamos durante esses 15 anos de luta, de persistência está indo embora depois que elegeram um governo de extrema direita para gerir o país. O retorno dos assassinatos, das mortes no campo, principalmente, em Anapu. Vivemos um momento de apreensão tanto com as políticas do governo federal, quanto do governo do Estado”, afirma.

Irmã Dorothy Stang era integrante da CPT, ligada à Igreja Católica. Em Anapu, ela liderou o primeiro projeto de desenvolvimento sustentável da região, o PDS Esperança. Stang lutava pela regularização da terra para famílias de trabalhadores rurais e combatia a violência das invasões ao projeto por grileiros, madeireiros e fazendeiros.

Mesmo com a repercussão do assassinato de Dorothy, os conflitos em Anapu continuam. Além do PDS Esperança, um outro PDS, o Virola-Jatobá sofre com constantes ameaças. Em 2017, o local chegou a ser invadido por cerca de 200 homens, entre grileiros e madeireiros ilegais. Armados, eles demarcaram lotes de terra medindo de 100 a 200 hectares, e os ofereciam a posseiros.

Alcidema Magalhães, também integrante do Comitê Dorothy, explica que a entidade foi criada para seguir o legado da missionária na defesa dos direitos humanos dos camponeses.

“O comitê Dorothy nasceu com esse papel de denunciar, de acompanhar as questões da luta pela terra e essa situação de Anapu vem se agravando em função dessa violência. As pessoas estão sendo muito intimidadas, com mensagens de WhatsApp, vídeos ameaçadores, então, o povo está muito acuado. Mas ao mesmo tempo eles permanecem firmes, lutando. Por isso que tem tombado gente, porque eles não pararam de lutar, de se organizar, de resistir.”

Irmã Dorothy Vive

Na tarde desta quarta-feira (12), movimentos sociais se reuniram em Belém para lembrar a luta da Irmã Dorothy. Além da CPT e do Comitê Dorothy, participaram o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), entre outros.

Para Robert Rodrigues, da coordenação nacional do MAB, fez um chamado à união dos movimentos sociais como forma de resistência

“A Dorothy é esse grande símbolo, de uma grande defensora de direitos humanos que foi assassinada e que do assassinato dela pra cá só aumentou o número de pessoas mortas na Amazônia, que fazem a luta na defesa dela. Somente com organizações fortalecidas, articuladas em unidade, teremos uma rede de proteção em defesa desses lutadores, que são o nosso maior patrimônio”, disse.

Amiga pessoal e colega de congregação religiosa — a Notre Dame –, irmã Rebeca Spires, de 77 anos participou do ato em memória de Dorothy.

“Nossa finalidade aqui é celebrar a vida. A vida da Amazônia, a vida da irmã Dorothy. A vida desses muitos e muitos mártires, a maioria anônimo e muitas vezes sem nenhuma ação judicial sob as suas mortes, que morreram pelo povo da Amazônia e pela floresta amazônica”, diz.

Durante o ato, irmã Rebeca entregou aos participantes sementes, para relembrar a luta da amiga que tombou lutando ao lado dos camponeses pelo que era deles por direito: a terra.

Assassinos

São cinco os envolvidos na morte da missionária Dorothy Stang. Todos foram julgados e condenados. Três estão cumprindo pena em regime semiaberto. Exceto Rayfran das Neves, autor do disparo, que está preso por ter cometido outros crimes e Regivaldo Pereira Galvão, o mandante, que cumpre pena no Centro de Recuperação de Altamira, onde 58 pessoas foram assassinadas.

Regivaldo Galvão foi condenado em maio de 2010 a 30 anos de prisão, inicialmente, em regime fechado. Regivaldo ficou preso no início dos julgamentos por 1 ano e 4 meses e recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) ganhando uma liminar para ficar em liberdade, mas em abril de 2019, uma decisão da Primeira Turma do STF determinou a prisão do fazendeiro, derrubando a liminar no último mês de fevereiro.

Vitalmiro Bastos de Moura, o “Bida” (mandante) foi condenado em setembro de 2003 a 30 anos de prisão em regime fechado. Em fevereiro de 2014, conseguiu encurtar a sua pena por trabalhos realizados na prisão.

Amair Feijoli da Cunha, o “Tato” (intermediário) foi condenado a 17 anos de prisão inicialmente em regime fechado, mas atualmente cumpre a pena em regime semiaberto. “Tato” teve a pena reduzida pela lei da delação premiada. A pena por homicídio duplamente qualificado era de 27 anos. No julgamento, ele confessou que foi contratado por R$ 50 mil pelos fazendeiros Vitalmiro Bastos de Moura e Regivaldo Pereira Galvão.

Rayfran das Neves, o “Fogoió” (autor dos disparos) foi condenado a 27 anos de prisão, que seriam cumpridos inicialmente em regime fechado. Assassino confesso, Rayfran foi beneficiado em 2013 com prisão domiciliar. Em setembro de 2018 foi novamente condenado por quatro homicídios. A pena totaliza 97 anos e oito meses de reclusão em regime inicial fechado. Os crimes foram cometidos em Bujaru e Tomé-Açu, no nordeste do Pará.

Clodoaldo Batista, o “Eduardo” (coautor) foi condenado a 17 anos de prisão em regime semiaberto, porém não se apresentava à justiça desde 2011 – condição obrigatória exigida pelo regime. Dessa forma foi considerado foragido. Em 20 de outubro de 2014, se apresentou à Justiça e agora cumpre a pena em regime semiaberto, tendo que se recolher à noite para dormir em uma casa penal da Região Metropolitana de Belém.

 

Fonte: Brasil de Fato

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