O dia 3 de dezembro, dia Internacional das Pessoas com Deficiências, faz parte do calendário da campanha ‘21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher’. A campanha organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em mais de 150 países, é feita no Brasil com apoio da CUT e suas entidades filiadas. A mulher com deficiência, por sua condição, é ainda mais vulnerável aos vários tipos de violência, seja física, psicológica ou sexual.
Dados deste ano levantados pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, apontam que até o terceiro trimestre, das 383 mil denúncias feitas pelo Disk 100, o Disk-Denúncia, 51,7 mil foram sobre violações contra os direitos das Pessoas Com Deficiências (PCD´s) – um aumento de 150% em relação ao trimestre anterior.
A maior parte dos casos é de violência contra a mulher. Outros dados, referentes ao ano de 2022, levantados com base no Sistema e Informação de Agravos de Notificação (Sinan), divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, mostram que, no ano passado, foram registradas 11.979 notificações de violência cometidas contra pessoas com deficiência, aproximadamente 33 notificações por dia. Desse total, 62,8% foram contra mulheres
Na capital paulista, os dados da Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência do Estado de São Paulo, corroboram com esse índice. Cerca de 60% dos casos registrados foram de violência contra as mulheres no ano passado.
Essa realidade aponta que a condição de ser pessoa com deficiência é fator que torna as mulheres ainda mais suscetíveis à violência. Em grande parte dos casos, o agressor é alguém do convívio da vítima, seja o parceiro, o cuidador ou algum familiar.
Veja mais tipos de violência contra PCD´s abaixo
“É preciso entendermos que esta é uma situação ainda mais grave de violência contra a mulher. Ela é duplamente vitimada, uma por ser mulher e outra por ter algum tipo de deficiência”, afirma a secretária nacional da Mulher Trabalhadora da CUT, Amanda Corcino.
Por isso, ela reforça, as ações de conscientização da campanha 21 dias de ativismo também abordam a questão das PCD´s. “O objetivo é dar visibilidade a essa questão para podermos defender as pessoas com deficiências de seus agressores. Mas para além disso, conscientizar a sociedade sobre os casos e incentivar a denúncia e promover o encaminhamento nesses casos”, pontua Amanda.
Mais importante, ela destaca a ações do poder público nesse sentido. “Fortalecer e investir mais nesses mecanismos de defesa das PCD´s é urgente”, ela diz. Em novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o Novo Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, com previsão de R$ 6 bilhões em investimentos. Entre as metas está o enfrentamento ao capacitismo e à violência.
Além do Disk 100, canal em que os casos de violência devem ser denunciados, os Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos e os Conselhos Tutelares, também atuam na proteção dessas pessoas.
Há ainda as delegacias da mulher. No entanto, é preciso fortalecer a atuação desses mecanismos, por meio de mais profissionais capacitados para lidar, especificamente, com as questões relacionadas às pessoas com deficiências.
“E combater esse tipo de violência passa também pela inclusão, pela educação e pela inserção no mercado de trabalho, com o cumprimento pleno da Lei de Cotas da Leis”, complementa a dirigente, explicando que é preciso garantir não somente a autonomia, mas também a segurança das pessoas com deficiências, em especial, das mulheres
Desafios
“Infelizmente, no país, não há dados mais detalhados relacionados às mulheres com deficiência. Mas sabemos que existe a violência e não é pouco”, ressalta a coordenadora do Coletivo Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT, Maria Cleide Queiroz, a Cleidinha.
Ela também reforça que as dificuldades de denunciar são ainda um desafio. ”A começar pelas delegacias da mulher, que na maioria estão localizadas longe da residência e a mulher por ter uma deficiência não consegue se locomover até a delegacia. Além disso falta profissionais qualificados para atender a mulher com deficiência” diz Cleidinha
Como exemplo ela cita mulheres com deficiência auditiva que precisam de atendentes que saibam a linguagem de libras.
“São diversas as barreiras. Por isso é tão necessário que o poder público tenha um olhar e acompanhamento amplo com estas mulheres com deficiência. É preciso ter dados e saber onde essas mulheres estão, pois essas violências vêm, às vezes, das pessoas próximas a elas”, pontua Cleidinha.
Para ela, as ações do poder público precisam ser conjuntas e unificadas no sentido de buscar a implantação de mecanismos de prevenção e enfrentamento das várias formas de violência contra a pessoa com deficiência, tais como:
. Aumentar os canais de denúncia;
. Incluir a pessoa com deficiência na rede regular de ensino;
. Estabelecer planos de enfrentamento à violência contra a pessoa com deficiência nos âmbitos estadual municipal e distrital;
. Criar e fortalecer os conselhos de direitos estaduais, municipais e distrital;
. Implantar serviço de notificação de violências contra a pessoa com deficiência o âmbito do SUS;
. Divulgar os direitos das pessoas com deficiência;
. Destinar verbas no orçamento público de segurança;
. Construir centros integrados de prestação de serviços às vítimas de violência, com apoio psicológico e social.
Tipos de violência
Em artigo para a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência, Maria Cleide Queiróz destacou pontos importantes para um panorama do que é a violência contra PCD´s. São eles:
. Os registros de violência, principalmente contra as mulheres com deficiência, em países do primeiro mundo têm vários contornos e formas marcados, via de regra, por maus tratos e abusos.
. Em maior número estão os casos de violência passiva, por negligência. A negligência consiste na recusa de dar a alimentação e medicamentos apropriados, na falta de cuidados pessoais e de higiene, deixar de seguir as prescrições médicas, ou mesmo dar cuidados inapropriados.
. Os maus tratos, por sua vez, podem ser de ordem física com agressões, tratamento rude e falta de cuidados pessoais, emprego exagerado de restrições, excesso de medicamentos e reclusão. Os maus tratos psicológicos podem ser por excessos verbais, intimidação, isolamento social, privações emocionais, impedir a tomada de decisões próprias, ameaças em relação a familiares.
. Quanto aos abusos, há a exploração sexual com a recusa do reconhecimento sexual da mulher, recusa de informações ou educação sexual, como o controle de natalidade, sexo não desejado, agressões, esterilização forçada e, a exploração financeira com a recusa de deixar a pessoa dispor e decidir sobre seus recursos e abuso financeiro.
. O autor dos maus tratos está sempre em situação de poder em relação à vítima do abuso. Apoiando-se em sua autoridade poderá obter consentimento para contatos sexuais, com ameaça de morte ou violência se delatado; desacreditar a vítima como testemunha.
A violência contra pessoas ou grupos vulneráveis, sobretudo mulheres com deficiência e idosas, é sistêmica e impedir a violência familiar e em instituições necessita de alterações na própria sociedade, sobretudo quanto a ver o outro como igual.
PCD´s
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2022), do IBGE, a população brasileira é composta por 18,6 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que corresponde a 8,9% do total de habitantes de 2 anos ou mais de idade domiciliados. Ou seja, quase 9 em cada 100 brasileiras e brasileiros possuem alguma deficiência.
São pessoas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade.
. Quase metade das pessoas com deficiência é de pessoas idosas (47,2%), enquanto esse percentual na população sem deficiência é de cerca de 12,5%.
. A dificuldade para andar ou subir degraus é a mais frequente (3,4% da população), seguida da dificuldade para enxergar (3,1%) e da dificuldade para aprender, lembrar-se das coisas ou se concentrar (2,6%).
Fonte: CUT Brasil