Após quatro anos do primeiro caso de covid-19 no Brasil, ainda não é possível identificar um padrão de comportamento na doença. Com a vacinação, os índices de contágio e mortes diminuíram drasticamente, bem como a gravidade da doença para a imensa maioria da população.
Ainda assim, a alta taxa de transmissibilidade do vírus e a imprevisibilidade das mutações impõem à situação epidemiológica atual uma espécie de “equilíbrio precário”.
Antônio Augusto Moura da Silva, epidemiologista e professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), afirma que, à medida em que a população ganha imunidade, uma pandemia pode evoluir para uma “endemia”, ou seja, quando uma doença é recorrente numa região, mas sem um aumento significativo no número de casos e óbitos.
“A pergunta que surge é se já atingimos esse equilíbrio, ou seja, se a situação evoluiu para o que chamamos de endemia. Atualmente, é difícil determinar se esse equilíbrio já foi atingido ou não. Não podemos afirmar com certeza. Mas todo estado de equilíbrio para todas as doenças infecciosas é sempre muito frágil e pode ser rompido por qualquer novidade que surja”, afirma o professor.
O docente afirma que, apesar de o Brasil não ter atingido essa fase, “tudo indica” que o país está “caminhando nessa direção”. “No entanto, qualquer equilíbrio é precário, especialmente se o vírus desenvolver uma mutação mais agressiva. Uma mutação letal é uma possibilidade. As mutações são eventos aleatórios, e não podemos prever para que direção seguirão”, explica.
A análise segue a conclusão do professor Titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Lotufo, para quem ainda não há uma compreensão completa do comportamento da doença.
O professor da USP defende que, ao abordar os picos dos casos de covid-19, é “interessante” compará-los aos da influenza. “Enquanto a temporada da influenza segue um padrão temporal bem determinado, a covid ainda não oferece essa clareza, tornando difícil prever como as coisas progredirão. A vacina, embora tenha reduzido casos graves e mortes, não nos fornece uma compreensão completa dos picos da covid”, afirma.
“A sensação atual é que, como em outras doenças, haverá indivíduos mais vulneráveis, como aqueles com condições cardiovasculares estabelecidas, apresentando maior risco. Essa dinâmica é semelhante à gripe, mas a pandemia continua a revelar peculiaridades que estamos ainda em processo de compreensão e registro, dada a complexidade em constante evolução.”
Nesse sentido, a contínua formação e registro de dados são cruciais devido às transformações constantes, contribuindo para uma compreensão mais completa e eficiente na gestão do sistema de saúde.
Isaac Schrarstzhaupt, epidemiologista e cientista de dados da Rede Análise Covid, também concorda que não há um padrão de comportamento do vírus. O pesquisador ainda vai mais longe: não sabe nem se será possível identificar algum tipo de padrão devido à alta transmissibilidade do vírus.
Em suas palavras, o SARS-CoV-2 é tão transmissível que não depende, por exemplo, das estações do ano, como a gripe está ligada ao frio, quando as pessoas se aglomeram mais em lugares fechados. No caso da covid, está mais atrelado ao comportamento das pessoas do que a padrões anuais.
Por exemplo, com o arrefecimento das medidas de prevenção, como o uso de máscaras faciais de proteção, há um aumento na taxa de infecção, independentemente de ser inverno ou verão. Como consequência, há mais chances de o vírus passar por mutações e quebrar o controle que há hoje sobre a doença. “A mutação é uma consequência dessa alta transmissão, porque o vírus entra no corpo, entra na célula, começa a se replicar e ocorre a mutação. Essa mutação pode deixar vírus totalmente inútil, ou mais esperto. E aí ele vira uma nova variante predominante.”
É principalmente a partir desta explicação que Schrarstzhaupt não consegue visualizar o estabelecimento de um padrão de comportamento da doença. “Para isso acontecer, o vírus teria que perder esse poder de mutação e de criar tantas variantes, e a variante predominante que fica teria que ser mais ou menos previsível, que nem a influenza. Essa alta taxa de mutação desse vírus é o que me faz crer que eu não consigo enxergar previsibilidade, pelo menos nem no médio prazo”, afirma o pesquisador de dados.
Vacinação
Soma-se à característica de alta transmissibilidade do vírus, a baixa cobertura vacinal, principalmente entre crianças. Os pesquisadores reforçam que a situação epidemiológica de hoje é expressivamente diferente do cenário anterior à vacina. Ainda assim, a adesão às últimas doses dos imunizantes está aquém do desejado.
De acordo com o Ministério da Saúde, desde o início da vacinação contra a covid-19 no Brasil, em 17 de janeiro de 2021, até 6 de fevereiro de 2024, foram aplicadas 517 milhões no público em geral, sendo 6,7 milhões em crianças com menos de cinco anos de idade.
Neste momento, apenas 6% das crianças com idade entre seis meses e dois anos e 6,4% das crianças de três a quatro anos receberam o esquema completo de vacinação monovalente – a cobertura bivalente é somente para crianças a partir de 12 anos. O percentual está muito abaixo da meta de 90% de cobertura vacinal.
“Para reduzir o número de casos, a população tem que aderir às medidas de proteção. Mas para reduzir casos graves e óbitos, é somente com vacinação. Os indicadores mostram que a pandemia não está nem perto da fase emergencial, mas ainda é uma coisa séria e ainda é o responsável por boa parte dos casos de respiratório graves”, principalmente entre crianças e idosos, afirma o pesquisador de dados.
Em 2024, até a sexta semana epidemiológica (10 a 16 de fevereiro), foram notificados 4.937 casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) hospitalizados, com 41% (2.020) casos com identificação do vírus respiratórios. Destes, 64% foram em decorrência da covid-19. Em relação aos óbitos, no mesmo período, foram notificados 506 óbitos de SRAG, com 56% (283) de identificação de vírus respiratórios. Destes, 91% foram em decorrência da covid-19. Os dados são do último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde.
Com os dados da pasta, é possível ver que idosos que crianças são os mais infectados, a cada 100 mil habitantes. Nos casos de mortes, os idosos lideram.
Incidência e mortalidade de SRAG por covid-19, segundo Semana epidemiológica e faixa etária, no Brasil,
em 2024 até a sexta semana epidemiológica / Reprodução/Ministério da Saúde
O que diz o Ministério da Saúde?
Ethel Maciel, secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, afirma que a situação epidemiológica atual é “muito diferente” de quando a pandemia era considerada uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Depois da vacinação, houve controle muito importante da doença. Então nós saímos de 3 mil pessoas morrendo por dia para chegar a uma média entre 30 e 50 pessoas por dia”, afirma a secretária.
Neste ano, a dose da vacina contra a covid-19 passou a fazer parte do Programa Nacional de Imunizações (PNI). A prioridade do Ministério da Saúde é para crianças de seis meses a menores de cinco anos e grupos com maior risco de desenvolver formas graves da doença: idosos; imunocomprometidos; gestantes e puérperas; trabalhadores da saúde; pessoas com comorbidades; indígenas, ribeirinhos e quilombolas; pessoas em instituições de longa permanência e trabalhadores; pessoas com deficiência permanente; pessoas privadas de liberdade; adolescentes e jovens cumprindo medidas socioeducativas; funcionários do sistema de privação de liberdade; e pessoas em situação de rua.
A secretária reforça que “podem surgir novas variantes. Mas nesse cenário onde a ômicron e suas subvariantes dominam, as nossas vacinas ainda protegem. A nossa preocupação recai em quem está adoecendo de forma grave e indo a óbito, que são crianças principalmente menores de dois anos e adultos acima de 70. Então, esses grupos constituem hoje a nossa grande preocupação”.
“Já tivemos um resultado na redução desses óbitos. Mas é que tendo vacina, tendo medicamento, nós não queremos que ninguém morra. Então um óbito já é um resultado ruim. Mas não vai ser de um dia para outro que nós vamos conseguir eliminar. E nunca a gente consegue. Sempre vamos ter algum resquício. Mas nós vamos trabalhar para uma redução ainda maior”, afirma Maciel.
Fonte: Brasil de Fato