Estatuto da Juventude dependerá de novas ações para vigorar de fato

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Entidades da sociedade civil acreditam que o Estatuto da Juventude, que será votado hoje (10) pelo plenário do Senado, ainda vai depender de vontade do governo federal e de pressão para que seja efetivamente implementado. O Projeto de Lei da Câmara 98, de 2011, define intenções gerais sobre educação, cidadania, saúde, cultura, lazer e segurança pública, e a maior parte das questões dependerá de regulamentação avulsa de ministérios ou de novas propostas no Legislativo.

É o caso do Sistema Nacional de Juventude (Sinajuve) e dos conselhos estaduais e municipais, apenas incentivados pelo estatuto. O texto tem ainda de voltar para a Câmara dos Deputados, onde passará por nova votação em virtude das alterações promovidas pelos senadores, antes de ir a sanção da presidenta Dilma Rousseff.

Para a secretária Nacional de Juventude, Severine Macedo, o principal avanço é que o estatuto define os direitos dos jovens, contribuindo para converter os programas voltados a este segmento em políticas de Estado. “Nós tivemos vários avanços em políticas de juventude no Brasil, como o Programa Universidade para Todos (ProUni) ou o Juventude Viva, que trata a questão da violência entre os jovens, mas que dependem de uma sensibilidade de governo. O estatuto dará aparato legal e jurídico para a expansão, ampliação e consolidação das políticas existentes. Esse é o principal ganho do ponto de vista institucional”, aponta.

Dentre as alterações imediatas após o fim da tramitação, o estatuto institui que jovens de baixa renda que estejam inscritos no Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal têm direito a passagens gratuitas em viagens interestaduais. As empresas serão obrigadas a reservar dois assentos por veículo. Preenchidas estas vagas, os jovens têm direito a um desconto de 50% sobre o valor da viagem.

Outra mudança que passa a valer imediatamente após a sanção diz respeito ao benefício da meia-entrada. O desconto de 50% nos ingressos de salas de cinema, casas de espetáculos, eventos educativos e esportivos será obrigatório para todos os jovens de baixa renda entre 15 e 29 anos, que é a faixa de idade encampada pelo estatuto. A este grupo será garantida a expedição gratuita da Carteira de Identificação Estudantil, expedida pelas entidades de representação dos estudantes. Todos os jovens matriculados regularmente em instituições de ensino também poderão se valer da compra de ingresso com abatimento.

Depois disso, o Estatuto da Juventude passa-se ao campo das intenções. O texto propõe a compatibilização dos horários de estudo e trabalho, bem como a observação da agenda do trabalho decente para os jovens. Outro aspecto que merece destaque é a garantia de ensino fundamental na língua materna, associada a processos próprios de aprendizagem, para jovens indígenas e de comunidades tradicionais.

O estatuto também prevê que que estados e municípios desenvolvam planos de políticas públicas voltadas especificamente para a juventude, bem como criem meios para a participação dos jovens nos processos decisórios relacionados a eles, através de Conselhos de Juventude. Hoje, somente os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo mantêm conselhos estaduais. Algumas cidades destes estados também têm essa estrutura, além de municípios do Ceará e da Paraíba.

Severine explica que o Sistema Nacional de Juventude compreende uma organização de informações e o acompanhamento de políticas públicas de juventude, conectando as políticas nacional, estadual e municipal voltadas aos jovens. A expectativa é de que a tramitação do projeto seja concluída até o fim do ano e em 2014 uma proposta de sistema seja apresentada, junto com a retomada da discussão do Plano Nacional de Juventude. “Pretendemos apresentar o desenho do sistema e discutir com a sociedade as atribuições dos estados e o orçamento necessário, além de retomar o diálogo sobre o plano nacional, e com isso fechar os marcos legais da juventude”, explica.

O presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Daniel Iliescu, define a aprovação do estatuto como um momento histórico. “Essa pauta está sendo discutida há quase dez anos. É um marco, resultado das mobilizações da juventude, das conferências, da pressão da sociedade civil. Ele cria novas condições para a luta pelo fortalecimento das políticas de juventude. Em especial por que o documento propõe a criação de conselhos nos estados e municípios, embora não obrigue. Mas propicia condições para lutar localmente por essas políticas”, afirma.

No entanto, Iliescu pondera que esta é apenas uma parte do processo. “A política do estatuto precisa ser complementada por um conjunto de bandeiras que nós defendemos para a juventude. Os 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a educação são uma delas. Não adianta ampliar os direitos se o principal não está garantido, que é a educação. O Estado ainda carece de capacidade de oferecer educação para os jovens. Além disso, todas as questões abordadas pelo estatuto necessitam de leis e regulamentações que dependem da mobilização da juventude e da sociedade como um todo”, define.

A secretária de Jovens Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Maria Elenice Anastácio, exalta a preocupação com a especificidade da educação no contexto rural e indígena. “Ainda há uma deficiência quanto à educação no campo, que está diretamente ligada a níveis de analfabetismo ainda altos. Ter essa consideração sobre comunidades tradicionais no estatuto é a garantia de uma educação relacionada com a nossa realidade, que nos dê condições de intervir no nosso meio”, avalia.

O secretário Nacional de Juventude da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Alfredo Santos Júnior, destaca a conciliação do tempo entre trabalho e estudo. “O estatuto prevê que o jovem tem direito ao trabalho decente, ou seja, dignamente remunerado, com seguridade social e horário condizente. Também propõe que o jovem possa conciliar trabalho e estudo, o que é uma conquista fantástica, porque os jovens sofrem muito com a precariedade do trabalho”, afirma. Mas pondera que “para virar prática, esse item necessita de uma ação positiva do Estado brasileiro para estabelecer as regulamentações necessárias”.

Uma preocupação apontada por alguns setores da sociedade é sobre a possibilidade de conflito entre o Estatuto da Juventude e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Um abrange a população de 15 a 29 anos, e outro abarca da primeira infância à maioridade, aos 18. Para o vice-presidente da Comissão Infância e Adolescência da Ordem dos Advogados do Brasil, Ariel de Castro Alves, não há problema legal. “O que se coloca é que, dos 15 aos 18, os jovens já têm garantias de direitos e políticas públicas previstas no ECA. A ideia é que não haja conflito entre as duas legislações. Desde que não tenha conflito das idades, eles se complementam”, explica em entrevista à Rádio Brasil Atual.


Fonte: Rede Brasil Atual

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