Uma delegação de indigenistas e indígenas Guarani Kaiowá, Avá-Guarani, Xokleng, Munduruku e Pataxó está em Genebra, na Suíça, para denunciar à Organização das Nações Unidas (ONU) a violência contra os povos originários no Brasil.
Na 57ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a comitiva relatou os ataques de fazendeiros e policiais militares que, entre julho e setembro, apenas no Paraná e em Mato Grosso do Sul, mataram um indígena, feriram cerca de 20 e deixaram cinco com projéteis alojados no corpo. Um adolescente Kaiowá de 15 anos também morreu, em circunstâncias não elucidadas.
Às autoridades internacionais, a delegação ressaltou que o escalonamento da violência no país está relacionado com a Lei 14.701/23, que estabelece a tese ruralista do marco temporal. A sua aprovação pelo Congresso Nacional no fim de 2023 ignorou, inclusive, as recomendações desta mesma instância da ONU ao Brasil.
“A Lei 14.701 parou as demarcações. Forçam nosso povo a desistir das terras sagradas. Montam armadilhas e oferecem outras terras. O Congresso avança contra nossos direitos. O STF, com o ministro Gilmar Mendes, criou Câmara de Conciliação para negociar direitos e favorecer os fazendeiros”, expôs Simão Guarani Kaiowá em Genebra.
Sobrevivente do Massacre de Caarapó de 2016, Simão tem uma bala alojada próximo ao coração. “Pedimos aos países que aqui estão, frente ao que já disseram os relatores, que pelo amor de Deus nos ajudem a cobrar o fim do marco temporal e da Lei 14701; a demarcar nossas terras; a garantir a segurança de nosso povo e a investigação no caso dos assassinatos”, declarou.
Ao Brasil de Fato, Alessandra Korap, do povo Munduruku, ressaltou que, ao falar “da questão da seca, da morte do nosso rio, da floresta queimada e tudo que está acontecendo”, estão explicitando à comunidade internacional que “isso tem um nome: agronegócio”.
Vilma Rios, da Terra Indígena (TI) Guassu Guavirá, do Paraná, é outra das lideranças que fez um pronunciamento às Nações Unidas. A jovem Avá-Guarani tomou tiros de chumbo em um ataque de fazendeiros contra a retomada tekoha Yvho´i no último 27 de agosto.
Com o metal tóxico alojado no corpo, Vilma pediu aos Estados membros do Conselho da ONU que “tomem medidas claras” para “prevenir este genocídio em curso, perpetrado por agentes estatais e milícia armada”.
“Estamos tentando fazer com que a violência que nós estamos sofrendo seja visível não só no nosso país, mas também fora”, disse Vilma ao Brasil de Fato.
“Os povos Avá-Guarani têm sofrido muito desde que fizemos a auto-demarcação da TI Guassu Guavirá”, completa, se referindo a retomadas de terra feitas no oeste do Paraná desde julho.
“Há um protagonismo das mulheres diante de toda essa situação, e crianças e jovens estão nas retomadas sofrendo, passando fome, deixando de ir para a escola porque esse conflito se expande também para fora do território, chegando no espaço público, na escola, na cidade”, descreve Vilma Avá-Guarani.
“O quadro é muito complicado”, definiu Paulo Lugon Arantes, assessor internacional da Comissão Arns que acompanha a comitiva em Genebra. “As lideranças indígenas vieram aqui denunciar o forte esquema de violência armada, principalmente contra os contextos de retomada. Vieram também denunciar a milícia Invasão Zero e o desmatamento”, afirmou.
Evento paralelo
Na manhã desta quinta-feira (26) a delegação fez um evento paralelo dentro da sede da ONU para tratar destes temas. O espaço permitiu aprofundá-los, diferente do plenário geral, onde cada liderança teve um minuto e meio de fala. Para Alessandra Korap, o tempo reduzido é também “uma violação”.
“Para falar de todos os problemas que a gente está vivendo, sofrendo, os ataques e as empresas entrando dentro do território, o marco temporal – um minuto e meio não é nada”, afirma Alessandra.
“Entendi que a ONU precisa ouvir mais, precisa saber o que está acontecendo realmente com os povos indígenas”, diz a liderança Munduruku. “Precisamos continuar pressionando a ONU, mas também pressionando o governo brasileiro”, defende.
Participaram da mesa desta quinta (26) o relator do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre os povos indígenas, o diplomata José Francisco Cali Tzay, Erilsa Braz dos Santos, Pataxó da TI Barra Velha, da Bahia; Brasílio Priprá, do povo Xokleng da TI Ibirama Laklano de Santa Catarina; Maurício Terena, diretor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), além de Alessandra e Vilma. Luís Ventura, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), fez a mediação.
Sob o título “Direitos territoriais dos povos indígenas – O marco temporal e a violência contra povos”, o debate foi organizado pelo Cimi, Apib, Aty Guasu (Grande Assembleia Guarani Kaiowá), Comissão Arns, Fian Brasil, Fian Internacional, Conselho de Missão Entre Povos Indígenas (Comin), Vivat, Minority Rights Group e WBO – Brazil Office Washington.
Fonte: Brasil de Fato