Assédio não é cantada!

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O ano era 2003. O sonho de ser bancária começava a se realizar aos 21 anos, ainda como estagiária do Banco do Brasil, em uma das agências da capital paraense. Mas o que era para ser um período cheio de aprendizados já para os concursos públicos bancários, que viriam pela frente, foi marcado por momentos “extremamente constrangedores”, como conta Cristiane Aleixo, hoje diretora de bancos federais do Sindicato e bancária da Caixa.

“Um gerente tinha o hábito de ficar fazendo brincadeirinhas, tocando, abraçando as estagiárias. Como não aceitei e comecei a ser grossa com ele, passou a me perseguir. Me mandava fazer trabalhos mais pesados, ficava pegando no meu pé com detalhes. Na época nem sabia o nome do que estava sofrendo”, lembra.

O que Cristiane sofreu na época, tem nome e é crime desde 2001, antes mesmo de ela ser vítima. No Brasil, o assédio sexual só é considerado dolo quando ocorre no ambiente de trabalho e se praticado por superior hierárquico. Conforme Art. 216-A, do Código Penal Brasileiro, legitima-se como forma de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. A pena é de 1 a 2 anos de detenção.

De lá pra cá, pouca coisa na prática mudou, a não ser a conscientização das mulheres sobre o assunto. O estudo “O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho”, feito em parceria pela Think Eva e LinkedIn, divulgado em outubro do ano passado revelou que elas conhecem o tema e sabem do que se trata.

Do total de entrevistadas, 51,4% disseram conversar frequentemente sobre isso e 95,3% afirmam saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho. Apenas 0,3% das mulheres ouvidas disseram não saber. A renda familiar tem uma influência neste aspecto. Quanto maior o rendimento, maior a frequência com que as discussões relativas a esta pauta acontecem.

Mas o medo, a impotência, raiva, nojo, vergonha, humilhação e até sentimento de culpa, principais sensações relatadas pelas entrevistadas, além da falta de apoio; faz com que muitas delas se silenciem, e tomem outras decisões, sem denunciar o caso em busca de proteção e justiça para que outras mulheres não sejam vítimas do mesmo assediador. Para 78,4% das respondentes, a impunidade é a maior barreira para a denúncia, seguida de políticas ineficientes (63,8%) e medo (63,8%).

Cristiane lembra que na época todos os colegas da agência percebiam o constrangimento que ela passava, mas ninguém falava nada. “Até que não aguentei e pedi pra sair. Preferi fazer isso, pra poder me livrar daquela situação, desesperadamente. Guardo mágoa de na época não ter denunciado, não ter ido pra cima dele, uma sensação na época de muita impotência”, desabafa.

O estudo mostrou ainda que 33% das mulheres que responderam as perguntas não fazem nada e 14,7% optam pela demissão.

Frequentemente, a responsabilidade recai sobre a mulher, assim como a necessidade de arcar com as consequências deste ciclo. Enquanto isso, o comum é que o agressor mantenha seu emprego, sua rede de relacionamentos e a carreira intactos.

Com um índice de confiabilidade de 99%, o questionário online recebeu 414 respostas. A pesquisa foi a primeira realizada sobre o tema em ambientes profissionais on e offline. O estudo estava previsto para ser feito de forma física, mas com a pandemia precisou ser adaptado.

“O assédio ultrapassou a barreira imposta pelo distanciamento social. Durante conversas e reuniões online, o crime continuou acontecendo”, diz trecho da pesquisa.

Clique aqui para acessar a pesquisa na íntegra

Assédio sexual não é cantada

“Infelizmente muitas mulheres chegam a confundir o assédio com cantada, mas há uma grande diferença. Na cantada há um jogo de sedução, elogios, conversas, até convencer o outro a sair e quem sabe deslanchar um relacionamento amoroso. Já no assédio, há uma ordem autoritária, perversa; de perseguição e ameaças à vítima até que ela ceda ou desapareça, no sentido de pedir demissão. O assédio sexual impacta na saúde mental, nas relações sociais e afetivas da vítima, por isso quanto mais tempo ela demora em pedir ajuda, mais o estado de saúde dela emocional vai piorando”, orienta a diretora do Sindicato em Marabá e bancária do Banpará, Heidiany Moreno.

A culpa não é sua!

Quando o assédio se torna público, muitas vezes a vítima é responsabilizada pelo assédio sofrido, assim como as mulheres que são estupradas.

“Colocam culpa no modo de a vítima falar, andar, se vestir, que provocaram o assediador. Mas não a culpa nunca foi e nunca será da vítima. Vale sempre lembrar que depois do não, tudo é assédio. Diferente do assédio moral, no assédio sexual, é mais difícil para a vítima conseguir testemunhas, pelo medo que elas também têm da exposição e consequências, por isso a necessidade e cautela de a vítima reunir todas as provas e buscar ajuda com pessoas que ela realmente confia; de preferência especialistas que possam levar o caso a frente sempre tendo o cuidado de resguardar a segurança e integridade física, moral e laboral da vítima. Por isso, o Sindicato sempre está disponível para atender e acolher qualquer tipo de assédio, onde infelizmente e mais uma vez, as mulheres são as maiores vitimas”, explica a presidenta do Sindicato e bancária da Caixa, Tatiana Oliveira.

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Fonte: Bancários PA com Think Eva

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